O ELOGIO DA SOBRIEDADE
A 24 de maio de 2015, o Papa Francisco deu em Roma, a sua
segunda Encíclica, denominada “Laudate Si’ – sobre o cuidado da casa comum”,
na qual pretende não se dirigir apenas aos cristãos, mas “a cada pessoa que habita neste planeta”. Francisco invoca a «solidariedade universal» para «unir toda a família humana na busca de
um desenvolvimento sustentável e integral”.
Na parte que destina à “alegria e paz”, o Papa, “propõe uma forma alternativa de entender a qualidade de vida, encorajando
um estilo de vida (…) capaz de gerar profunda alegria sem estar obcecado pelo
consumo.”
Diz mais à frente que “é
importante adotar um antigo ensinamento (…). Trata-se da convicção de que «quanto menos, tanto mais». Com efeito,
a acumulação constante de possibilidades para consumir distrai o coração e
impede de dar o devido apreço a cada coisa e a cada momento.
Pelo contrário,
tornar-se (ou ser-se) serenamente presente diante de cada
realidade, por mais pequena que seja, abre-nos muitas mais possibilidades de
compreensão e realização pessoal.”
Francisco propõe então “um crescimento na sobriedade e uma capacidade de se alegrar com pouco.
É um regresso à simplicidade que nos permite parar a saborear as pequenas
coisas, agradecer as possibilidades que a vida oferece sem nos apegarmos ao que
temos nem entristecermos por aquilo que não possuímos. Isto exige evitar a dinâmica
do domínio e da mera acumulação de prazeres.”
E continua: “a
sobriedade, vivida livre e conscientemente, é libertadora. Não se trata de
menos vida, nem vida de baixa intensidade; é precisamente o contrário. Com
efeito, as pessoas que saboreiam mais e vivem melhor cada momento são aquelas
que deixam de debicar aqui e ali, sempre à procura do que não têm, e
experimentam o que significa dar apreço a cada pessoa e a cada coisa, aprendem
a familiarizar com as coisas mais simples e sabem alegrar-se com elas.
Deste modo conseguem
reduzir o número das necessidades insatisfeitas e diminuem o cansaço e a ansiedade.
É possível necessitar de pouco e viver muito, sobretudo quando se é capaz de
dar espaço a outros prazeres, encontrando satisfação nos encontros fraternos,
no serviço, na frutificação dos próprios carismas, na música e na arte, no
contacto com a natureza, (…).
Para
Francisco “a felicidade exige saber
limitar algumas necessidades que nos entorpecem, permanecendo assim disponíveis
para as múltiplas possibilidades que a vida oferece.
A sobriedade e a
humildade não gozaram de positiva consideração no século passado. Mas, quando
se debilita de forma generalizada o exercício dalguma virtude na vida pessoal e
social, isso acaba por provocar variados desequilíbrios, mesmo ambientais.
Por isso, não basta
falar apenas da integridade dos ecossistemas; é preciso ter a coragem de falar
da integridade da vida humana, da necessidade de incentivar e conjugar todos os
grandes valores.
O desaparecimento da
humildade, num ser humano excessivamente entusiasmado com a possibilidade de
dominar tudo sem limite algum, só pode acabar por prejudicar a sociedade e o
meio ambiente.”
Já na parte dedicada ao “amor civil e político”, Francisco
afirma que “é necessário voltar a sentir
que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os
outros e o mundo, que vale a pena ser bons e honestos.”
Depois de fazer notar que se tem vivido muito tempo em
degradação moral e em desvalorização da ética, da bondade, da honestidade; e
também da fé, Francisco chama a atenção que “chegou
o momento de reconhecer que esta alegre superficialidade de pouco nos serviu.
Uma tal destruição de todo o fundamento da vida social acaba por colocar-nos
uns contra os outros na defesa dos próprios interesses, provoca o despertar de
novas formas de violência e crueldade e impede o desenvolvimento duma
verdadeira cultura do cuidado do meio ambiente”, que inclui as pessoas.
Para o Papa, “ninguém
pode amadurecer numa sobriedade feliz, se não estiver em paz consigo mesmo”,
compreendendo-se que a paz, “é muito mais
do que a ausência de guerra. A paz interior das pessoas tem muito a ver com o
cuidado da ecologia e com o bem comum, porque, autenticamente vivida, reflete-se
num equilibrado estilo de vida aliado com a capacidade de admiração que leva à
profundidade da vida.
A natureza está cheia
de palavras de amor; mas, como poderemos ouvi-las no meio do ruído constante,
da distração permanente e ansiosa, ou do culto da notoriedade?”
“O amor, cheio de
pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político, manifestando-se em
todas as ações que procuram construir um mundo melhor. O amor à sociedade e o
compromisso pelo bem comum são uma forma eminente de caridade, que toca não só
as relações entre os indivíduos, mas também «as macro relações como
relacionamentos sociais, económicos, políticos”.
Depois de propor ao mundo o ideal da “civilização do amor”. Francisco
afirma que “o amor social é a chave para
um desenvolvimento autêntico: «Para tornar a sociedade mais humana, mais digna
da pessoa, é necessário revalorizar o amor na vida social, nos planos, político,
económico e cultural – fazendo dele a norma
constante e suprema do agir».
E continua: “neste
contexto, juntamente com a importância dos pequenos gestos diários, o amor social
impele-nos a pensar em grandes estratégias que detenham eficazmente a degradação
ambiental e incentivem uma cultura do cuidado que permeie toda a sociedade.
Nem todos são
chamados a trabalhar de forma direta na política, mas no seio da sociedade floresce
uma variedade inumerável de associações que intervêm em prol do bem comum, defendendo
o meio ambiente natural e urbano. (…) para proteger, sanar, melhorar ou
embelezar algo que é de todos. Ao seu redor, desenvolvem-se ou recuperam-se vínculos,
fazendo surgir um novo tecido social local.
Assim, uma comunidade
liberta-se da indiferença consumista. Isto significa também cultivar uma
identidade comum, uma história que se conserva e transmite. Desta forma
cuida-se do mundo e da qualidade de vida dos mais pobres, com um sentido de
solidariedade que é, ao mesmo tempo, consciência de habitar numa casa comum (…).”
A frase do Papa Francisco “a felicidade exige saber limitar algumas necessidades que nos
entorpecem, permanecendo assim disponíveis para as múltiplas possibilidades que
a vida oferece” (…) pode ser um bom mote para as férias. Abrir os olhos
para o que nos rodeia, com mais atenção, valorizando cada coisa pelo que é, sem
procurar comparar ou limitar a sua importância em função de outras realidades.
Numa sociedade de consumo somos treinados a “pensar em grande”, a projetar “férias de sonho”, a cometer excessos
porque “merecemos”. Sempre em função
do exterior, do que vamos ver e do que os outros vão ver de nós, sem pensarmos
verdadeiramente no que nos valoriza e determina como pessoas, no presente e na
construção do futuro.
Um tempo de descanso é, deve ser, um tempo de nos
reescrevermos. Uma oportunidade de encontrarmos pequenos tesouros em locais
insuspeitos, para “dar apreço a cada
pessoa e a cada coisa”, como sugere o Papa Francisco.
Porto, 31 de agosto de 2017, João António Pereira, presidente da Direção da Federação Nacional de Voluntariado em Saúde. O conteúdo deste blogue é da inteira responsabilidade do autor, exceto o texto devidamente diferenciado. Em nada implica o órgão a que preside.
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