Razões para comemorar
O Serviço Nacional de Saúde
Se existe opinião consensual na sociedade
portuguesa, a ideia que é na saúde que existe o melhor serviço público do país
será, seguramente, uma das mais frequentes. Para muitos, pode não passar de um
lugar-comum, debitado consoante os ventos políticos que sopram no momento. Mas,
para os profissionais que nele trabalham, é, além de uma constatação justa, o
reconhecimento mínimo perante a complexidade do trabalho que desenvolvem.
Diga-se o, que se disser, são eles que
constituem, de facto, o maior ativo do Serviço Nacional de Saúde (SNS). São
protagonistas e embaixadores em simultâneo. Vestem a camisola da causa pública.
Compreendem a importância e dimensão do seu trabalho, que garante um acesso
justo e equitativo à Saúde. Que providencia bem-estar e qualidade de vida a uma
população que não tem oportunidade de recorrer a outros cuidados. E que
assegura a manutenção de um serviço público que, pela sua natureza e definição,
irá sempre garantir o que o sector privado não terá interesse em oferecer.
Olhando o exemplo dos médicos, vejo na
esmagadora maioria dos 26 mil colegas que trabalham no SNS extraordinários
exemplos de competência, idoneidade e dedicação. São públicos os nossos motivos
de descontentamento: não existimos em número suficiente para as necessidades
hospitalares e nos cuidados de saúde primários; trabalhamos com meios escassos
e estruturas subfinanciadas; estamos constrangidos no acesso a meios de
diagnóstico e terapêutica; penamos numa arquitetura informática pesada,
burocrática e ineficiente; somos efetivamente mal pagos para o nível de
qualificação técnica e de responsabilidade que a profissão exige.
É indesmentível que as condições são
precárias. Poderia citar inúmeros exemplos concretos que tive oportunidade de
constatar nos anos em que exerço funções dirigentes na Ordem dos Médicos. Cito
dois em particular e dos mais recentes, o Hospital de Vila Real e o Centro de
Saúde Fernão de Magalhães, em Coimbra. O primeiro é um verdadeiro estudo de
caso: uma unidade que é sede de um Centro Hospitalar – Trás-os-Montes e Alto
Douro – com mais de 450 mil utentes na sua área de intervenção, que é
classificada pelo Ministério da Saúde como um hospital polivalente, mas cujos
serviços estão de tal forma carenciados em termos de médicos que, na realidade,
a prestação de cuidados está mais próxima de um hospital menos qualificado. O
segundo exemplo, que pude testemunhar há poucos meses atrás, é possivelmente
das unidades de saúde com condições físicas mais precárias e inseguras que já
vi. Um espaço assustador, que desafia a integridade física dos profissionais e
utentes, e que envergonha um país do mundo civilizado.
Os dois casos que refiro têm um aspeto
comum: o exemplar sentido de compromisso dos seus médicos e restantes
profissionais. O testemunho que recolhi em ambas as instituições - replicável
em muitas outras - é de resiliência face às dificuldades e de uma grande
dedicação aos respetivos serviços, que coloca os doentes e a ética profissional
acima dos interesses individuais.
Esta é, felizmente, a regra e não a exceção.
Os médicos não são privilegiados de coisa nenhuma. São servidores públicos de
excelência e representam o que de melhor o país consegue produzir em termos
académicos, técnicos e científicos. De resto, se o SNS consegue comparar,
muitas vezes favoravelmente, com sistemas de saúde em países mais
desenvolvidos, em muito se deve à competência e qualidade dos seus quadros.
Haja também consenso político nesta
matéria. No dia em que se assinalam os 37 anos do Serviço Nacional de Saúde,
reconheça-se e valorize-se o trabalho daqueles que o constroem diariamente.
MIGUEL GUIMARÃES, Presidente do
Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos
https://www.publico.pt/sociedade/noticia/razoes-para-comemorar-o-sns-1744059
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