domingo, 18 de setembro de 2016

O AMOR jamais acabará.
É PARA SEMPRE!

Madre Teresa de Calcutá
Nos primeiros dias deste mês de setembro, aconteceu no Vaticano, o denominado Jubileu do Voluntariado e dos Operadores da Misericórdia, que terminou com a canonização da Madre Teresa de Calcutá.

Se existe consciência generalizada de que nem todos os voluntários são crentes em alguma divindade ou professam alguma religião… também é inegável que muitos deles são membros de diversas igrejas e denominações eclesiais; e que se encontram verdadeiramente empenhados na promoção do bem-estar, na ajuda desinteressada e no desenvolvimento. Essa realidade, evidenciada pela história, longe de ser fonte de dificuldade no desenvolvimento de projetos e ações de voluntariado, é antes mais e muitas vezes, uma mais valia que não pode nem deve ser escamoteada e que tem que ser querida, apoiada e acarinhada.

Na Praça de S. Pedro em Roma, estiveram muitos voluntários. Aqueles que certamente são membros da Igreja Católica Apostólica Romana; e que atuam contextualizados em Organizações tão diversas e tão conhecidas como a Cáritas, a Sociedade de S. Vicente de Paulo, os Centros Sociais Paroquiais ou as Santas Casas da Misericórdia, estruturas e serviços eclesiais que com muitas outras atuam no campo da solidariedade, das respostas sociais ou no campo da saúde, denominando-se muitas delas (em Portugal) como IPSS – Instituições Particulares de Solidariedade Social, que incluem boa parte das Organizações de Voluntariado em Saúde bem conhecidas nas Unidades de Saúde do serviço Nacional de Saúde e outras; e na comunidade.
Papa Francisco

Do que foi dito pelo Papa Francisco, pelo menos no discurso (catequese) que proferiu no dia 3 e na homilia do dia 4, é minha convicção, serem importantes algumas afirmações que logo no início do primeiro afirma que “ao contrário da fé e da esperança, o amor «jamais acabará» (v. 8): é para sempre.”(; e continua dizendo que esse amor “é um amor que permanece para sempre jovem, ativo, dinâmico capaz de atrair para si de modo incomparável. É um amor fiel que não trai, apesar das nossas contradições. É um amor fecundo que gera e conduz para além da nossa preguiça. É desse amor que todos nós somos testemunhas. (…) como um rio na cheia que nos arrasta, mas sem nos anular; muito pelo contrário, é uma condição de vida: «se não tivesse amor, eu nada seria»”.

O amor de que fala o Papa, segundo ele, “não é algo abstrato e vago; pelo contrário, é um amor que se vê, se toca e se experimenta em primeira pessoa.” Depois de aludir ao episódio do bom samaritano, Francisco afirma sem rodeios que “não é possível desviar o olhar e tomar outra direção para não ver as muitas formas de pobreza que pedem misericórdia. Isso de tomar outra direção para não olhar a fome, as doenças, as pessoas exploradas...” E dirigindo-se diretamente aos presentes, diz-lhes que “Isso é um pecado grave!” E para os cidadãos em geral, se isso não for culpa, será pelo menos ausência de cumprimento de dever e de empenhamento sério a favor dos outros cidadãos que se encontram em situação de desfavor, de carência, de debilidade, e enfermos ou incapacitados.

Referindo-se à misericórdia de Deus, Francisco disse que nunca se cansará de dizer que aquela “não é uma ideia bonita, mas uma ação concreta. Não existe misericórdia sem concretização. A misericórdia não é fazer um bem “de passagem”; significa comprometer-se onde está o mal, onde há doença, onde há fome. Onde há tantas explorações humanas. E até mesmo a misericórdia humana não é autêntica – ou seja humana e misericórdia - enquanto não alcança a concretização no seu agir diário.”
Sendo mais uma vez direto aos presentes, o Papa disse-lhe com energia “vós representais aqui o grande e variado mundo do voluntariado. (…). Vós sois artesãos de misericórdia: com as vossas mãos, com os vossos olhos, com a vossa escuta, com a vossa proximidade, com as vossas carícias... sois artesãos! Exprimis o desejo - entre os mais belos no coração do homem: fazer com que a pessoa que sofre se sinta amada. (…) enfim, onde quer que exista um pedido de ajuda, ali chega o vosso testemunho ativo e desinteressado.”

Não deixando de se dirigir diretamente aos presentes, Francisco exortou-os: - “Estai sempre prontos para a solidariedade, fortes na proximidade, diligentes para despertar alegria e convincentes na consolação. O mundo precisa de sinais concretos de solidariedade, especialmente diante da tentação da indiferença, e exige pessoas capazes de se oporem com as suas vidas, ao individualismo, pensando só em si mesmo, ignorando os irmãos em necessidade. Estai sempre contentes e cheios de alegria pelo vosso serviço, mas nunca fazei dele um motivo de presunção que leva a se sentir melhor do que os outros. (…).”

E já no discurso (homilia) do domingo, referindo-se a textos lidos no ato, o Papa dirige-se diretamente aos voluntários presentes e diz-lhes que “hoje, a “grande multidão” é representada pelo vasto mundo do voluntariado, aqui reunido por ocasião do Jubileu da Misericórdia. (…). Quantos corações os voluntários, confortam! Quantas mãos apoiam; quantas lágrimas enxugam; quanto amor é derramado no serviço escondido, humilde e desinteressado!”. E ainda que “os voluntários que servem os últimos e necessitados (...) não esperam nenhum agradecimento ou gratificação, mas renunciam a tudo isso porque encontraram o amor verdadeiro.” Porque o que os move é o amor verdadeiro. E mais uma vez: o amor verdadeiro não tem preço nem se cobra.

Ainda na sua homilia, Francisco referiu-se a Madre Teresa dizendo que “ao longo de toda a sua existência, foi uma dispensadora generosa da misericórdia divina, fazendo-se disponível a todos, através do acolhimento e da defesa da vida humana, dos nascituros e daqueles abandonados e descartados. Comprometeu-se na defesa da vida, proclamando incessantemente que «quem ainda não nasceu é o mais fraco, o menor, o mais miserável». Inclinou-se sobre as pessoas indefesas, deixadas moribundas à beira da estrada, (…)  fez ouvir a sua voz aos poderosos da terra, para que reconhecessem a sua culpa diante dos crimes ― diante dos crimes! ―  da pobreza criada por eles mesmos. A misericórdia foi para ela o “sal”, que dava sabor a todas as suas obras, e a luz que iluminava a escuridão de todos aqueles que nem sequer tinham mais lágrimas para chorar pela sua pobreza e sofrimento.”

O Papa citou Madre Teresa, que segundo ele, ela “gostava de dizer: «Talvez não fale a língua deles, mas posso sorrir»”.  E voltando-se para os voluntários presentes, exortou-os de novo, e desta vez dizendo-lhes: “Levemos no coração o seu sorriso e o ofereçamos a quem encontremos no nosso caminho, especialmente àqueles que sofrem. Assim abriremos horizontes de alegria e de esperança numa humanidade tão desesperançada e necessitada de compreensão e ternura.”([i])

Nota: não sei se consigo dizer algo mais para além do que acabo de transcrever e produzir. Mesmo assim, adianto: tenho perfeita consciência que existem voluntários a quem o que disse o Papa poderá não lhes dizer muito por não se sentirem sintonizados com aspetos de fé ou de religião. Mas há muitos outros para os quais as coisas não são bem assim. Uns e outros, todos são cidadãos. Todos os cidadãos devem (têm) que ser respeitados porque, todos eles “têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.”([ii]) E “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”([iii]).

Misericórdia já não é termo, tema ou coisa, que tenha apenas que ver com a esfera do espiritual e do religioso, seja no catolicismo romano seja no islamismo ou em outra denominação religiosa. “Misericórdia é um termo amplo que se refere a benevolênciaperdão e bondade em uma variedade de contextos éticos, religiosos, sociais e legais.”, e que no contexto social e legal, pode referir-se ”tanto ao comportamento compassivo por parte de quem está no poder (por exemplo, a misericórdia mostrado por um juiz no sentido de um presidiário), humanitário ou por parte de um terceiro, por exemplo, uma missão de misericórdia com o objetivo para tratar as vítimas de guerra.”([iv])

Podemos simplesmente... ser!
Misericórdia tem a ver com voluntariado, tem a ver com o voluntariado no campo da saúde, e tem a ver com todos nós. Sim, porque é o dever, é o sentido do outro, é o sentido de que cada um de nós não é uma ilha, é o sentimento de amor, é a emoção de quem ama, é a certeza que somos pessoas e cidadãos dotados de elevada dignidade; e que por isso não cruzamos os braços nem ficamos imutáveis, onde quer que exista um pedido de ajuda. Aí damos o nosso testemunho ativo e desinteressado, sem esperarmos recompensas nem mordomias. Como Madre Teresa, mesmo que não falemos a língua de quem servimos, podemos sorrir, podemos ser ajuda ativa e silenciosa. Podemos simplesmente…. Ser!
Este blogue é da inteira responsabilidade do autor: - João António Pereira, presidente da Direção da Federação Nacional de Voluntariado em Saúde. Não implica responsabilidade de qualquer outro membro do órgão citado. Porto, 18 de setembro de 2016.

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