domingo, 11 de setembro de 2016

PARTE IMPORTANTE DO EMPREGO EM PORTUGAL,

É EMPREGO NÃO REMUNERADO

Há dias, no discurso de encerramento da Universidade de Verão do PSD, Passos Coelho disse que “houve um aumento do emprego não remunerado e que esse emprego justifica uma "parte significativa" do aumento do emprego que se verificou no último trimestre, (…) comparando este tipo de emprego com o trabalho voluntário e recordando que Catarina Martins sempre recusou a colocação de desempregados e beneficiários de prestações sociais em IPSS.”

Passos Coelho fez notar ainda, “que desses novos empregos, 7.200 são de "trabalhadores familiares não remunerados" (o que representa mais de 30% dos novos empregos criados). No entanto, o impacto de todos os trabalhadores não remunerados (que no total do segundo trimestre atingiu os 28.700) na população empregada (mais de 4.6 milhões) ronda, tradicionalmente, os 0,5 a 0,8% desse total.” Mas quem são os “trabalhadores familiares não remunerados?” Segundo o INE (Instituto Nacional de Estatística), este tipo de trabalhador define-se com sendo o “indivíduo que exerce uma atividade independente numa empresa orientada para o mercado e explorada por um familiar, não sendo, contudo, seu associado nem estando vinculado por um contrato de trabalho. ([i])”.

Liliana Valente ([ii]) depois de afirmar que “avaliando trimestres seguidos, o número total de trabalhadores não remunerados vem subindo e descendo”, analisa outro facto: a afirmação de Passos Coelho quando compara o presente tipo de emprego ao “voluntariado., Diz a jornalista que a ideia ”está errada, já que, segundo o INE, emprego não remunerado” respeita aos  “trabalhadores familiares não remunerados” mais "aos trabalhadores com emprego por conta própria, (…), aos membros de cooperativas de produção e aos trabalhadores destacados. Não entram nesta rubrica os voluntários.” A jornalista termina apontando que Passos Coelho “tem razão quando refere um aumento do emprego não remunerado, (…) com a comparação dos “trimestres homólogos, (…).” Mas que não tem razão quando usa o indicador “emprego não remunerado” (…) “para comparar com o trabalho de voluntariado. ([iii])”

Voltando a trás, e ao ponto em que a jornalista diz que “não entram nesta rubrica os voluntários.”, importa reafirmar que não são voluntariado “atuações que embora desinteressadas, (…) sejam determinadas por razões familiares, de amizade e de boa vizinhança ([iv])”. E que “a qualidade de voluntário não pode, de qualquer forma, decorrer de relação de trabalho subordinado ou autónomo ou de qualquer relação de conteúdo patrimonial com a organização promotora,” (…) ([v]). E muito mais poderia ser recordado sobre o que determina a legislação portuguesa sobre o voluntariado. A primeira Lei portuguesa exclusiva para o voluntariado foi publicada há 18 anos no Diário da República. Já é adulta.

Começa a não fazer sentido tanta confusão entre o voluntariado e os outros setores da economia. Também não se deve confundir voluntariado com “ASU - Atividade Socialmente Útil” a cujo desempenho podem ser obrigados os beneficiários do RSI – Rendimento Social de Inserção, nem com a PTFC - Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade que é uma pena substitutiva da pena de prisão até dois anos cuja aplicação exige o consentimento do arguido. Consiste na prestação de trabalho não remunerado, a favor do Estado ou de outras entidades, públicas ou privadas, de interesse para a comunidade.” ([vi]), nem com o “TSN - Trabalho Socialmente Necessário” que respeita à “realização de atividades por desempregados inscritos nos centros de emprego que satisfaçam necessidades sociais ou coletivas temporárias, prestadas em entidade pública ou privada sem fins lucrativos.” ([vii]).

A confusão a que não raras vezes se assiste, entre a atividade de voluntariado e os outros setores da atividade económica (mesmo social) não é privilégio deste ou daquele político, deste ou daquele dirigente empresarial ou institucional (público ou privado não lucrativo) nem dos inúmeros colaboradores remunerados ou não, das muitas Organizações Promotoras de Voluntariado e de Enquadramento (ou não) de Voluntários. É uma característica de todos nós, sejamos simples cidadãos, sejamos gestores, técnicos, colaboradores ou até mesmo voluntários. 

A cultura que emerge dos conceitos plasmados na Lei ainda não se encontra completamente interiorizada. É um esforço que temos que fazer. Não apenas para cumprimento do que tenha que ser cumprido, mas e sobretudo, para que todos e cada cidadão respeite e seja respeitado no exercício de cidadania ativa e solidária. Sabemos que não é impossível. Apenas difícil. E querer é poder.

Porto, 11 de setembro de 2016, João António Pereira, presidente da Direção da Federação Nacional de Voluntariado em Saúde.




[i] In.: http://smi.ine.pt/Conceito/Detalhes/703
[ii] Jornalista do jornal “O Público” autora da peça de origem.
[iii] https://www.publico.pt/politica/noticia/o-emprego-nao-remunerado-justifica-o-aumento-do-emprego-1743346
[iv] Lei 71/98
[v] Idem
[vi] http://www.dgrs.mj.pt/c/portal/layout?p_l_id=PUB.1001.72
[vii] http://cdp.portodigital.pt/emprego/apoios-a-insercao-profissional/contrato-emprego-insercao/

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