Voluntários de associações humanitárias
denunciam economia paralela e corrupção
Filas de pessoas, homens, mulheres e crianças, famílias. Gente
que fugiu do seu país à procura de condições na Europa. Doentes, com fome, sem
roupas. Dificuldades em ajudar todos num campo de refugiados. Para tudo isso,
estavam preparados os voluntários portugueses que os têm apoiado no terreno.
Não estavam preparados para a economia paralela que se alimenta da crise dos
refugiados e a corrupção das autoridades, denunciam em Portugal e em Bruxelas.
Refugiados à procura de condições na Europa |
"Há todo um mercado paralelo que se desenvolve com a
crise dos refugiados. A Comissão Europeia tem que verificar se o dinheiro que
dão está a ser bem aplicado. O que se pergunta é o que estão a fazer os
inspetores, qual é a avaliação que está a ser feito?", questiona Barbara
Guevara, ex-membro da direção da associação Famílias como as Nossas e que
coordenou a Caravana
Esperança à Macedónia.
Ela não tem dúvidas: "O dinheiro que estão a enviar para
alguns países, nomeadamente para a Macedónia, não está a ser aplicado na ajuda
aos refugiados". Isto, depois de viver uma semana em Gevgelia, entre 5 e
13 de dezembro, um campo de transição junto à fronteira com a Grécia. Os
eurodeputados João Ferreira, do PCP, e Ana Gomes, do PS, têm sido os
interlocutores daquelas denúncias. Ambos visitaram campos de refugiados e têm
intervindo no Parlamento Europeu sobre esta matéria.
A associação decidiu seguir com a Caravana Esperança para a
Macedónia porque os dois camiões que partiram de Portugal com roupas e outros
produtos não chegaram ao destino. Com a Caravana, 17 pessoas viajaram com 30 Kg
de roupa cada uma, em ações que os próprios pagam. Chegados a Gevgelia
começaram os problemas para entrarem no campo. "Primeiro, disseram que
éramos muitos e dividiram-nos em três turnos, depois, que faltava um papel que
nunca nos tinham pedido quanto preparámos a ida em Portugal. E estas
negociações levavam dias. Todos os dias lá tinha de ir para o gabinete de
crise. Foram três dias até perceber que o que o senhor queria era uma
televisão", conta Barbara Guevara. A partir daí, foi-lhes facilitado o
voluntariado, mais ainda quando deram gorros e cachecóis aos polícias.
Gevgelija é um campo de transição para a Sérvia e que recebe
três mil migrantes por dia. Barbara lembra que o governo da Macedónia recebe 25
euros por cada adulto. E que a viagem de comboio entre fronteiras (com a Grécia
e a Sérvia) custa 25 euros quando um bilhete normal é de 5. "Há um acordo
com os táxis que, também, levam 25 euros por cada refugiado, mas só com
autorização do governo. Quando estão dias à espera sem clientes protestam e
bloqueiam a linha férrea. Nesse caso, as pessoas ficam mais de 12 horas no
campo, dormem 250 numa tenda, com frio e sem aquecimento".
Os voluntários dizem que tinham dificuldade em passar as
informações aos refugiados. Outra crítica é ao espírito militar a que todos
eram obrigados a seguir. O episódio que foi a gota de água foi quando quiseram
comprar agasalhos no valor de oito ml euros. A associação NuN, organização
não-governamental da Macedónia, era o contacto no terreno. Disseram-lhes que
seria melhor encomendar a um armazém em Skopje, a capital. Quando estavam a
concluir a compra perceberam que tinham pagar uma taxa de 10 %. Não aceitaram e
foram às compras em Gevgelija.
Sobre situações de abusos e de corrupção, Kastriot Rexhepl,
dirigente da NuN, respondeu ao DN: "Não recebi queixas sobre essas
situações, que desconheço totalmente. Apenas posso falar do processo oficial
para aceder aos campos, que é o que sei. E esse é um processo muito longo e
difícil, sobretudo quando são estadas mais longas". A associação tem 50
pessoas no terreno e apoia os voluntários de outros países.
O DN contactou o ACNUR, UNICEF, Cruz Vermelha, Caritas e
Legis, que trabalham nos campos, sem obter resposta. E em Portugal, os
responsáveis do Centro Português para os Refugiados e do Serviço dos Jesuítas
aos Refugiados desconhecem denúncias sobre pagamentos abusivos ou desvio de
verbas. Barbara Guevera revolta-se: "Os voluntários que pertencem às
associações organizadas sabem o que se passa e não fazem nada. Mas há milhares
de voluntários
independentes, como nós, que tentam mudar as coisas. Estamos em contacto
permanente através o Facebook e há denúncias de muitos campos".
A eurodeputada Ana Gomes não ficou surpreendida com os relatos dos voluntários
portugueses, dos quais diz já ter dado conta à ministra da Administração
Interna. "Para ela foi um choque, mas infelizmente, essa é a realidade dos
campos de refugiados em todo o mundo há sempre gente oportunista. O que devemos fazer é
organizarmo-nos para recebermos essas pessoas condignamente".
Já o dia 13, João Ferreira perguntou no Parlamento Europeu o
que se passava, dado "ter sido alertado para problemas existentes no
terreno, e em especial ao longo da chamada rota das Balcãs, que se prendem com
abusos por parte das autoridades em relação aos refugiados", ..., além de
"denúncias de desvio de verbas". E questionou a Comissão Europeia:
"Têm conhecimento destas denúncias, o que tem feito até à data para as
investigar e que medidas estão a ser tomadas para evitar esse tipo de práticas?
"É das poucas vezes que um eurodeputado questiona abertamente sobre o
desvio de dinheiros.
http://www.dn.pt/sociedade/interior/fazer-negocio-com-a-crise-dos-refugiados-5008364.html
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