O Voluntariado
precisa de
reconhecimento, mais dinheiro e
melhor legislação
Eugénio Fonseca, presidente da Direção da Confederação Portuguesa do Voluntariado |
Eugénio
Fonseca, presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado, descreve-nos o
retrato atual do voluntariado no nosso país e aponta caminhos e soluções para
alcançar uma outra dimensão. Mais justa, mais apoiada.
Quando falamos de voluntariado em Portugal, falamos de que
realidade? O que é e como é fazer voluntariado no nosso país?
O voluntariado, em Portugal,
representa uma miríade de experiências, desde as mais estruturadas e formais
enquadradas no âmbito de organizações, às menos formalizadas realizadas em
contextos de relações de vizinhança e de dádiva de tempo.
Em 2012, o INE estimava que a taxa de
voluntariado era de 11,5% da população, correspondendo a cerca de 1 milhão e 40
mil indivíduos da população residente com mais de 15 anos, que tivessem
participado em, pelo menos, uma atividade formal e/ou informal de trabalho
voluntário. A população voluntária, no nosso país, é, maioritariamente,
feminina, entre os 25 e os 65 anos, com formação superior. Ainda segundo
cálculos do INE, o valor monetário do voluntariado luso é equivalente a
aproximadamente 1% do PIB português, mas a CPV é da opinião que a contribuição
do voluntariado será bastante superior, se considerarmos que apenas duas das
associadas da Confederação contam com mais de 600.000 voluntários, sendo inestimável
e dificilmente contabilizável o contributo social e o apoio que os voluntários
prestam a inúmeras organizações portuguesas. De referir ainda, que o
Voluntariado tem vindo a ser assumido cada vez por esferas não tradicionalmente
ligadas a esta área, como sejam as empresas ou até mesmo ao setor público.
Por cá, multiplicam-se as
experiências de voluntariado corporativo, amiúde em parceria com as
organizações da economia social, e de funcionários envolvidos em projetos
promovidos por instituições públicas. Apesar da riqueza desta realidade, os
voluntários e as organizações promotoras de voluntariado ainda enfrentam
dificuldades de diversa ordem. Estas centram-se, no que se refere aos
voluntários, numa falta de maior reconhecimento público do seu contributo e de
ausência de condições materiais e legais mais favoráveis para o exercício da
sua missão de cidadania. Quanto às organizações, há uma ausência quase total de
apoio financeiro para atividades que cubram, nomeadamente, os encargos que as
organizações têm com os seus voluntários, como sejam: as ações de formação ou
os seguros de acidentes pessoais e que podem representar uma fatia considerável
dos magros orçamentos de muitas destas organizações.
Como foi fazer voluntariado nos últimos, e duros, anos de crise?
Foi um grande desafio. Em muitas
situações não só deram do seu tempo, como assumiram a organização de
iniciativas promotoras de partilha de bens essenciais para a subsistências dos
seus concidadãos mais gravosamente atingidos pelas consequências da crise.
Quantos não tiveram que dar também dos seus próprios bens, algumas vezes
financeiros, para dar resposta a situações inadiáveis. É certo que muitos o
fizeram integrados nas designadas organizações formais, mas a maior parte deste
trabalho foi assumido por voluntários/as que pertencem a grupos não formais e,
por isso, não reconhecidos, legalmente, pelo Estado. Foi, sobretudo, a estes
que foi pedido o esforço atrás referido, com a vantagem de serem mais profícuos
dada a sua proximidade às pessoas e às suas situações de vida concreta. Sempre
se tentou que o Governo permitisse o acesso destas organizações “informais” aos
recursos no âmbito do Plano de Emergência Social, mas sem sucesso. Por isso, é
maior o nosso apreço, porque, apesar desta discriminação, nunca baixaram os
braços. É pena que não se consigam contabilizar o muito que foi angariado e
aplicado a carências socioeconómicas de grande gravidade.
Que barreiras e dificuldades urgem ser ultrapassadas? É uma
questão de falta de apoios, de pouca sensibilidade, por parte do Estado e da
sociedade civil, para o trabalho feito pelos voluntários e pelas organizações?
– Necessidade de programas e
atividades de promoção do Voluntariado e de enquadramento favorecedor da
realização de ações neste domínio, num país que tem uma baixa cultura cívica e
de participação e cujo mercado laboral se caracteriza por horários de trabalho
muito longos.
– Ausência, quase total, de apoios
financeiros para a realização de projetos e ações de voluntariado em Portugal,
o que prejudica a qualidade das mesmas e do enquadramento fornecido pelas
organizações.
– Ausência de uma caracterização científica
e maior reconhecimento, através da realização de investigação da realidade do
Voluntariado em Portugal e do efetivo contributo para a sociedade e para o PIB
português, a partir da consensualização de uma base de cálculo do valor hora da
prática do voluntariado mais justa e equitativa.
– Aprofundamento da qualificação dos
voluntários/as, através da realização de mais ações de sensibilização e
formação nestes domínios para os cidadãos/ãs e assim como para organizações
enquadradoras, em gestão de voluntariado e nas suas áreas de intervenção
específicas.
A legislação também constitui uma barreira ao seu desenvolvimento?
Na opinião da CPV, a legislação
nacional para o voluntariado não enquadra totalmente a prática das organizações
e dos voluntários/as, pelo que em 2012 propusemos uma alteração legislativa que
nunca se concretizou. Passados três anos, considerámos necessário realizar uma
consulta pública com a participação de várias organizações promotoras de
voluntariado, para melhorar a proposta que a CPV tinha remetido para o
Ministério da Solidariedade, do Emprego e Segurança Social. Assim, esta
consulta resultou na sugestão de novas alterações à legislação, nomeadamente:
– a necessidade de estipular a idade
mínima de 16 anos para a participação em ações/projetos de voluntariado,
devendo, no entanto, haver uma ressalva relativamente a casos nos quais esta
idade possa ser desadequada para a realização de determinadas tarefas, sendo
que esta análise da adequação etária deve ser da responsabilidade das organizações
promotoras das respetivas ações de voluntariado;
– a consagração da impossibilidade de
funcionários/as de empresas e Serviços públicos ou organizações realizarem
atividades de voluntariado nas suas entidades empregadoras relacionadas com
tarefas semelhantes às exercidas no quadro do seu vínculo profissional com a
organização;
– a especificação da diferença entre
estágios e voluntariado para evitar equívocos e constrangimentos decorrentes de
uma indefinição e/ou confusão de papéis, devendo o respetivo enquadramento ser
fornecido pela entidade recetora de voluntários/as;
– o aprofundamento dos meios de
qualificação do voluntariado, devendo ser referida a obrigatoriedade da
organização dar formação contínua aos seus voluntários;
– a consagração da importância de
realizar avaliações de impacto das ações efetuadas, pelas organizações no
âmbito do voluntariado, para aferir das mudanças provocadas pelos
voluntários/as nas organizações e junto de “beneficiários” diretos; a
inclusão na legislação das seguintes Tipologias de Voluntariado
Voluntariado Corporativo, com as
seguintes ressalvas: o conceito deve referir que Voluntariado Corporativo é
realizado durante o horário de trabalho dos colaboradores da
empresa/organização; que o voluntariado de uma empresa/organização se realize
através de organizações com as quais exista um vínculo; a legislação deve
prevenir a obrigatoriedade de participação na ação/projeto, assim como a
execução de atividades que gerem lucro para as empresas. A participação dos
colaboradores deve ser livre;
Voluntariado Internacional – ações de
voluntariado realizadas fora de Portugal, mas nas quais não exista um objetivo
de cooperação para o desenvolvimento, como é o caso dos projetos de
voluntariado enquadrados no Programa Juventude em Ação (Serviço de Voluntariado
Europeu);
Voluntariado de Cooperação para o
Desenvolvimento – considerar as diversas especificidades existentes nas
organizações de desenvolvimento portuguesas (propor a realização de uma
consulta alargada sobre as especificidades junto das ONGDs ou com a Plataforma
Portuguesa das ONGDs) Voluntariado de Competências – tipologia essencialmente
realizada por colaboradores de empresas, no quadro do Voluntariado Corporativo,
junto de organizações sociais, mas também de forma crescente por voluntários/as
individuais no seio das próprias organizações. Voluntariado de Proximidade – a
legislação deveria proporcionar o enquadramento desta tipologia, recorrendo a
informação privilegiada de organizações que desenvolveram esta área, como seja o
exemplo, entre outros, da Fundação Eugénio de Almeida;
Voluntariado “Individualizado” – tipologia de voluntariado
realizada por um/a determinado/a voluntário/a com determinado “beneficiário”,
numa relação estabelecida de forma individualizada, de um para um, que coloca
grandes desafios de enquadramento e formação às organizações e aos próprios
voluntários/as, assim como no acompanhamento dos voluntários/as e no apoio
concedido a “beneficiários”. A legislação deveria proporcionar o enquadramento
desta tipologia, recorrendo a informação privilegiada de organizações que
desenvolveram esta área.
Foi ainda sugerida a importância de
ser criado um sistema de credenciações/reconhecimento de organizações que
desenvolvessem projetos de voluntariado, respeitando os termos contidos na
legislação portuguesa. Ainda, neste particular, é nossa intenção, e estamos a
trabalhar nesse sentido, promover encontros com os grupos parlamentares,
aguardando o encontro já solicitado ao senhor Ministro do Trabalho,
Solidariedade e Segurança Social para apresentarmos a nossa reflexão atualizada
sobre a revisão da Lei do Voluntariado e da sua regulamentação. Com esta
iniciativa, procuramos trazer a temática do voluntariado para o debate
nacional, cinco anos passados sobre o Ano Europeu do Voluntariado 2011,
estimulando a participação dos agentes dos vários níveis e recuperando a
dinâmica que o AEV criou.
Um outro aspeto que gostaríamos que
pudesse vir a ser considerado em legislação respeita à obrigatoriedade de
apresentação periódica de registo criminal para o exercício do voluntariado.
Reafirmando a necessidade de tal registo parece-nos, contudo, que ele deveria
ser isento de pagamento, para o voluntário ou suas organizações enquadradoras.
Não achamos que se deva penalizar o exercício do voluntariado com taxas; há
outras formas de financiamento do Estado.
No sentido oposto, de que virtudes e qualidades se reveste o
voluntariado em Portugal?
A primeira é ser uma expressão
genuína do exercício da cidadania, dando assim um contributo à implementação da
democracia participativa tão frágil que ela é no nosso país. Outra virtude é a
de contrariar a cultura predominante que tudo valoriza pelo lucro que dá ou
pelo preço que tem, mostrando que não se aplica a muitos cidadãos o ditado
popular de que “não há almoços grátis”, pois há muita gente que, em Portugal,
ainda paga para ajudar a construir o bem comum. Acrescente-se ainda que a
prática do voluntariado resulta num enriquecimento social, cultural e
espiritual para quem o pratica e para quem se destina. Tratando-se de uma área
de intervenção que se alicerça na gratuidade, não faz muito sentido invocar
qualidades positivas no domínio económico, mas é significativo para um país
como a influência que os resultados a ação dos voluntários/as têm no PIB, como
já foi referido. Muitas outras qualidades e virtudes poderíamos invocar, mas é
importante reconhecer que a presença de quem opta por dar-se, sem
contrapartidas materiais, contribui para a humanização das organizações e
empresas, desde que não substituam postos de trabalho efetivos, pois assim esta
prática tornar-se-ia no ato criminoso para quem o promove.
Disse recentemente que espera conhecer melhor o programa de ação
do Ministério da Segurança Social para o voluntariado. Já teve oportunidade de
o fazer? Que expetativas tem sobre este programa?
Primeiro importa referir que o
anterior governo aprovou o “Programa de Emergência Social”, que consagrava a
necessidade de dinamização e reflexão sobre a criação de incentivos ao
voluntariado na área social, salientando a relevância do apoio e da promoção do
voluntariado e dos voluntários, originando a criação de um Plano Nacional do
Voluntariado. Este Plano pretendia definir medidas que pudessem valorizar e
reconhecer a realização de ações de voluntariado como essenciais para uma
participação e cidadania ativas.
Assim, as expectativas da CPV,
relativamente ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social
centram-se na criação de condições favoráveis, quer pela atualização da
legislação portuguesa nesta área, quer pela concessão de apoios ao setor, para
que se concretize todo o potencial existente de mobilização dos cidadãos
portugueses para o voluntariado.
Tendo em conta os desafios sociais
hodiernos e a inexistência de qualquer estrutura que assegure o trabalho de
promoção e qualificação do Voluntariado, entende a CPV que deverá ser a
sociedade civil, e nomeadamente a CPV como plataforma de 32 organizações
promotoras do voluntariado em Portugal, a ocupar este espaço vago para promover
a conversão de forças do setor social, estatal e empresarial, no sentido de
tornar o voluntariado uma das prioridades nacionais.
Apesar da jovem existência da
Confederação, temos vindo a dar firmes passos para nos assumirmos,
progressivamente, como plena representante do voluntariado em Portugal.
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