segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

O Voluntariado, ao mais alto nível!...

O Voluntariado
precisa de reconhecimento, mais dinheiro e melhor legislação

Eugénio Fonseca, presidente da Direção
da Confederação Portuguesa do Voluntariado
Eugénio Fonseca, presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado, descreve-nos o retrato atual do voluntariado no nosso país e aponta caminhos e soluções para alcançar uma outra dimensão. Mais justa, mais apoiada.

Quando falamos de voluntariado em Portugal, falamos de que realidade? O que é e como é fazer voluntariado no nosso país?
O voluntariado, em Portugal, representa uma miríade de experiências, desde as mais estruturadas e formais enquadradas no âmbito de organizações, às menos formalizadas realizadas em contextos de relações de vizinhança e de dádiva de tempo.
Em 2012, o INE estimava que a taxa de voluntariado era de 11,5% da população, correspondendo a cerca de 1 milhão e 40 mil indivíduos da população residente com mais de 15 anos, que tivessem participado em, pelo menos, uma atividade formal e/ou informal de trabalho voluntário. A população voluntária, no nosso país, é, maioritariamente, feminina, entre os 25 e os 65 anos, com formação superior. Ainda segundo cálculos do INE, o valor monetário do voluntariado luso é equivalente a aproximadamente 1% do PIB português, mas a CPV é da opinião que a contribuição do voluntariado será bastante superior, se considerarmos que apenas duas das associadas da Confederação contam com mais de 600.000 voluntários, sendo inestimável e dificilmente contabilizável o contributo social e o apoio que os voluntários prestam a inúmeras organizações portuguesas. De referir ainda, que o Voluntariado tem vindo a ser assumido cada vez por esferas não tradicionalmente ligadas a esta área, como sejam as empresas ou até mesmo ao setor público.
Por cá, multiplicam-se as experiências de voluntariado corporativo, amiúde em parceria com as organizações da economia social, e de funcionários envolvidos em projetos promovidos por instituições públicas. Apesar da riqueza desta realidade, os voluntários e as organizações promotoras de voluntariado ainda enfrentam dificuldades de diversa ordem. Estas centram-se, no que se refere aos voluntários, numa falta de maior reconhecimento público do seu contributo e de ausência de condições materiais e legais mais favoráveis para o exercício da sua missão de cidadania. Quanto às organizações, há uma ausência quase total de apoio financeiro para atividades que cubram, nomeadamente, os encargos que as organizações têm com os seus voluntários, como sejam: as ações de formação ou os seguros de acidentes pessoais e que podem representar uma fatia considerável dos magros orçamentos de muitas destas organizações.
Como foi fazer voluntariado nos últimos, e duros, anos de crise?
Foi um grande desafio. Em muitas situações não só deram do seu tempo, como assumiram a organização de iniciativas promotoras de partilha de bens essenciais para a subsistências dos seus concidadãos mais gravosamente atingidos pelas consequências da crise. Quantos não tiveram que dar também dos seus próprios bens, algumas vezes financeiros, para dar resposta a situações inadiáveis. É certo que muitos o fizeram integrados nas designadas organizações formais, mas a maior parte deste trabalho foi assumido por voluntários/as que pertencem a grupos não formais e, por isso, não reconhecidos, legalmente, pelo Estado. Foi, sobretudo, a estes que foi pedido o esforço atrás referido, com a vantagem de serem mais profícuos dada a sua proximidade às pessoas e às suas situações de vida concreta. Sempre se tentou que o Governo permitisse o acesso destas organizações “informais” aos recursos no âmbito do Plano de Emergência Social, mas sem sucesso. Por isso, é maior o nosso apreço, porque, apesar desta discriminação, nunca baixaram os braços. É pena que não se consigam contabilizar o muito que foi angariado e aplicado a carências socioeconómicas de grande gravidade.
Que barreiras e dificuldades urgem ser ultrapassadas? É uma questão de falta de apoios, de pouca sensibilidade, por parte do Estado e da sociedade civil, para o trabalho feito pelos voluntários e pelas organizações?
– Necessidade de programas e atividades de promoção do Voluntariado e de enquadramento favorecedor da realização de ações neste domínio, num país que tem uma baixa cultura cívica e de participação e cujo mercado laboral se caracteriza por horários de trabalho muito longos.
– Ausência, quase total, de apoios financeiros para a realização de projetos e ações de voluntariado em Portugal, o que prejudica a qualidade das mesmas e do enquadramento fornecido pelas organizações.
– Ausência de uma caracterização científica e maior reconhecimento, através da realização de investigação da realidade do Voluntariado em Portugal e do efetivo contributo para a sociedade e para o PIB português, a partir da consensualização de uma base de cálculo do valor hora da prática do voluntariado mais justa e equitativa.
– Aprofundamento da qualificação dos voluntários/as, através da realização de mais ações de sensibilização e formação nestes domínios para os cidadãos/ãs e assim como para organizações enquadradoras, em gestão de voluntariado e nas suas áreas de intervenção específicas.
A legislação também constitui uma barreira ao seu desenvolvimento?
Na opinião da CPV, a legislação nacional para o voluntariado não enquadra totalmente a prática das organizações e dos voluntários/as, pelo que em 2012 propusemos uma alteração legislativa que nunca se concretizou. Passados três anos, considerámos necessário realizar uma consulta pública com a participação de várias organizações promotoras de voluntariado, para melhorar a proposta que a CPV tinha remetido para o Ministério da Solidariedade, do Emprego e Segurança Social. Assim, esta consulta resultou na sugestão de novas alterações à legislação, nomeadamente:
– a necessidade de estipular a idade mínima de 16 anos para a participação em ações/projetos de voluntariado, devendo, no entanto, haver uma ressalva relativamente a casos nos quais esta idade possa ser desadequada para a realização de determinadas tarefas, sendo que esta análise da adequação etária deve ser da responsabilidade das organizações promotoras das respetivas ações de voluntariado;
– a consagração da impossibilidade de funcionários/as de empresas e Serviços públicos ou organizações realizarem atividades de voluntariado nas suas entidades empregadoras relacionadas com tarefas semelhantes às exercidas no quadro do seu vínculo profissional com a organização;
– a especificação da diferença entre estágios e voluntariado para evitar equívocos e constrangimentos decorrentes de uma indefinição e/ou confusão de papéis, devendo o respetivo enquadramento ser fornecido pela entidade recetora de voluntários/as;
– o aprofundamento dos meios de qualificação do voluntariado, devendo ser referida a obrigatoriedade da organização dar formação contínua aos seus voluntários;
– a consagração da importância de realizar avaliações de impacto das ações efetuadas, pelas organizações no âmbito do voluntariado, para aferir das mudanças provocadas pelos voluntários/as nas organizações e junto de “beneficiários” diretos; a inclusão na legislação das seguintes Tipologias de Voluntariado
Voluntariado Corporativo, com as seguintes ressalvas: o conceito deve referir que Voluntariado Corporativo é realizado durante o horário de trabalho dos colaboradores da empresa/organização; que o voluntariado de uma empresa/organização se realize através de organizações com as quais exista um vínculo; a legislação deve prevenir a obrigatoriedade de participação na ação/projeto, assim como a execução de atividades que gerem lucro para as empresas. A participação dos colaboradores deve ser livre;
Voluntariado Internacional – ações de voluntariado realizadas fora de Portugal, mas nas quais não exista um objetivo de cooperação para o desenvolvimento, como é o caso dos projetos de voluntariado enquadrados no Programa Juventude em Ação (Serviço de Voluntariado Europeu);
Voluntariado de Cooperação para o Desenvolvimento – considerar as diversas especificidades existentes nas organizações de desenvolvimento portuguesas (propor a realização de uma consulta alargada sobre as especificidades junto das ONGDs ou com a Plataforma Portuguesa das ONGDs) Voluntariado de Competências – tipologia essencialmente realizada por colaboradores de empresas, no quadro do Voluntariado Corporativo, junto de organizações sociais, mas também de forma crescente por voluntários/as individuais no seio das próprias organizações. Voluntariado de Proximidade – a legislação deveria proporcionar o enquadramento desta tipologia, recorrendo a informação privilegiada de organizações que desenvolveram esta área, como seja o exemplo, entre outros, da Fundação Eugénio de Almeida;
Voluntariado “Individualizado” – tipologia de voluntariado realizada por um/a determinado/a voluntário/a com determinado “beneficiário”, numa relação estabelecida de forma individualizada, de um para um, que coloca grandes desafios de enquadramento e formação às organizações e aos próprios voluntários/as, assim como no acompanhamento dos voluntários/as e no apoio concedido a “beneficiários”. A legislação deveria proporcionar o enquadramento desta tipologia, recorrendo a informação privilegiada de organizações que desenvolveram esta área.
Foi ainda sugerida a importância de ser criado um sistema de credenciações/reconhecimento de organizações que desenvolvessem projetos de voluntariado, respeitando os termos contidos na legislação portuguesa. Ainda, neste particular, é nossa intenção, e estamos a trabalhar nesse sentido, promover encontros com os grupos parlamentares, aguardando o encontro já solicitado ao senhor Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social para apresentarmos a nossa reflexão atualizada sobre a revisão da Lei do Voluntariado e da sua regulamentação. Com esta iniciativa, procuramos trazer a temática do voluntariado para o debate nacional, cinco anos passados sobre o Ano Europeu do Voluntariado 2011, estimulando a participação dos agentes dos vários níveis e recuperando a dinâmica que o AEV criou.
Um outro aspeto que gostaríamos que pudesse vir a ser considerado em legislação respeita à obrigatoriedade de apresentação periódica de registo criminal para o exercício do voluntariado. Reafirmando a necessidade de tal registo parece-nos, contudo, que ele deveria ser isento de pagamento, para o voluntário ou suas organizações enquadradoras. Não achamos que se deva penalizar o exercício do voluntariado com taxas; há outras formas de financiamento do Estado.
No sentido oposto, de que virtudes e qualidades se reveste o voluntariado em Portugal?
A primeira é ser uma expressão genuína do exercício da cidadania, dando assim um contributo à implementação da democracia participativa tão frágil que ela é no nosso país. Outra virtude é a de contrariar a cultura predominante que tudo valoriza pelo lucro que dá ou pelo preço que tem, mostrando que não se aplica a muitos cidadãos o ditado popular de que “não há almoços grátis”, pois há muita gente que, em Portugal, ainda paga para ajudar a construir o bem comum. Acrescente-se ainda que a prática do voluntariado resulta num enriquecimento social, cultural e espiritual para quem o pratica e para quem se destina. Tratando-se de uma área de intervenção que se alicerça na gratuidade, não faz muito sentido invocar qualidades positivas no domínio económico, mas é significativo para um país como a influência que os resultados a ação dos voluntários/as têm no PIB, como já foi referido. Muitas outras qualidades e virtudes poderíamos invocar, mas é importante reconhecer que a presença de quem opta por dar-se, sem contrapartidas materiais, contribui para a humanização das organizações e empresas, desde que não substituam postos de trabalho efetivos, pois assim esta prática tornar-se-ia no ato criminoso para quem o promove.
Disse recentemente que espera conhecer melhor o programa de ação do Ministério da Segurança Social para o voluntariado. Já teve oportunidade de o fazer? Que expetativas tem sobre este programa?
Primeiro importa referir que o anterior governo aprovou o “Programa de Emergência Social”, que consagrava a necessidade de dinamização e reflexão sobre a criação de incentivos ao voluntariado na área social, salientando a relevância do apoio e da promoção do voluntariado e dos voluntários, originando a criação de um Plano Nacional do Voluntariado. Este Plano pretendia definir medidas que pudessem valorizar e reconhecer a realização de ações de voluntariado como essenciais para uma participação e cidadania ativas.
Assim, as expectativas da CPV, relativamente ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social centram-se na criação de condições favoráveis, quer pela atualização da legislação portuguesa nesta área, quer pela concessão de apoios ao setor, para que se concretize todo o potencial existente de mobilização dos cidadãos portugueses para o voluntariado.
Tendo em conta os desafios sociais hodiernos e a inexistência de qualquer estrutura que assegure o trabalho de promoção e qualificação do Voluntariado, entende a CPV que deverá ser a sociedade civil, e nomeadamente a CPV como plataforma de 32 organizações promotoras do voluntariado em Portugal, a ocupar este espaço vago para promover a conversão de forças do setor social, estatal e empresarial, no sentido de tornar o voluntariado uma das prioridades nacionais.
Apesar da jovem existência da Confederação, temos vindo a dar firmes passos para nos assumirmos, progressivamente, como plena representante do voluntariado em Portugal.

 Por Sónia Bexiga/OJE / http://www.oje.pt/cpv-voluntariado-precisa-de-reconhecimento-mais-dinheiro-e-melhor-legislacao/

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