QUEM É O MEU
PRÓXIMO?
Tomei contacto com o termo voluntariado de proximidade, a partir
de projetos para a sua implementação, originários no Banco de Voluntariado de
Évora / Fundação Eugénio de Almeida, que operacionalizados nos Núcleos de
Voluntariado de Proximidade, têm
por objetivo “a prática de voluntariado numa
ótica territorial, baseada nas relações de proximidade, confiança e vizinhança,
no sentido de prestar apoio a pessoas, famílias ou instituições, procurando dar
respostas a problemas que não carecem de uma resposta específica de natureza técnica
e/ou profissional.”
Essas estruturas, os Núcleos de Voluntariado de Proximidade, “assentam na colaboração entre diferentes entidades com sede ou atuação
direta numa freguesia (…), apoiado pela mediação de Conselheiros (…) que
dinamizam o funcionamento do Núcleo, encaminhando os voluntários em função dos
apoios solicitados.”
O público alvo do voluntariado de proximidade,
“são pessoas ou famílias (…) que apresentem problemas de
cariz pessoal e familiar que não tenham resposta das redes de solidariedade
informais (…) nem das organizações prestadoras de serviços (respostas sociais).
São igualmente destinatários deste projeto as organizações sem fins lucrativos que possam beneficiar da
colaboração dos voluntários de proximidade (…).”
Se o voluntariado de proximidade é um
serviço às pessoas e às famílias; e se esse aspeto já se encontra plasmado no
conceito de voluntariado da Lei 71/98…. Então devo questionar: - E quem é o meu
próximo? O voluntariado de proximidade poderá ter apenas a ver com comunidades
territorialmente constituídas, ou também com outro tipo de comunidades que
poderão ser as Unidades de Saúde?
Esta questão é
muito conhecida e muito antiga. Tem por base um episódio bíblico, mas ele mesmo
tem norteado muito voluntariado e muitos voluntários do campo da saúde. Segundo
Correia (2005), na narrativa bíblica, o doutor procurava um enquadramento
social “passível de ser observado,
definido e, por isso, delimitado. A sua pergunta pediria esta resposta: o meu
próximo é... este e aquele e aquele outro. E, uma vez encontrado, estaria
estabelecido o raio da proximidade à qual estaria obrigado. Fora dele, a não
obrigação ou a indiferença que se protegeriam na desresponsabilização cómoda e
tranquilizadora: não, esse não é o meu próximo, porque o meu próximo é este e
aquele e aquele outro”.
Mas não, “próximo não cabe numa definição. Diz antes respeito ao comportamento
efetivo de se tornar presente a alguém. O próximo não é a saber. Não se trata
de saber previamente quem é o meu próximo nem de delimitar de antemão o raio
restrito da proximidade. Não se tem um próximo. Faço-me, sim, efetivamente,
próximo de alguém. Esse alguém, de quem efetivamente me aproximei de forma
pessoal, é o único referencial para se saber do próximo.”
Ser presente ou próximo, é não se ser
apresentado em categorias sociais, revestido de funções sociais, absorvido por
nobres e mais ou menos santos ofícios, indisponível para a surpresa que o
encontro requer. A categoria de quem se faz presente ou próximo, é não ser nem
ter categoria nenhuma. É estar “pronto a
mudar de caminho e inventar uma conduta imprevista”. É estar “disponível para o encontro, para lá de toda
a mediação social e sem recurso a nenhum critério de conduta social, prévia e
exteriormente estabelecido.”
É o “encontro,
efetivamente acontecido, aquele que torna uma pessoa presente a outra pessoa.
Isso é ser próximo. Queres saber então quem é o teu próximo? Aproxima-te. Só
esse, de quem efetivamente te aproximaste, foi teu próximo. O resto não passou
de uma boa intenção. E de boas intenções sabe bem a sabedoria popular o que é
que está cheio.
São
encontros tecidos com gestos simples – dar de comer ou de beber, vestir,
visitar, etc. –, feitos a quem vive situações limite e está socialmente
indefeso, desarmado e exposto ao arbítrio alheio, reduzido ao mais elementar da
sua condição humana. O destinatário destes gestos é chamado pequenino, aquele
que, como nos diz Ricoeur, não desempenha na história função condutora; é
apenas o figurante que fornece a ração de sofrimento necessário à grandiosidade
dos verdadeiros acontecimentos «históricos»; é o anónimo que conduz a caravana
e sem o qual ao grande alpinista faltaria a glória; é o soldado de segunda
categoria sem o qual os grandes capitães não apenas não seriam capazes de suas
grandes manobras de génio, como ainda não o seriam de seus erros trágicos;
[...] é a «pessoa deslocada», pura vítima dos grandes conflitos e das grandes
revoluções . E a lista poderia continuar com outros tantos exemplos da nossa
experiência individual e coletiva. (…)
Ora,
o sentido dos gestos (…) pelos quais o encontro acontece, não é refletido no
grande sentido da história nem no sentido dos grandes da história. Existe outro
sentido – esclarece Ricoeur – que reagrupa todos os minúsculos encontros
deixados de lado pela história dos grandes; é outra história, uma história dos
atos, dos acontecimentos, das compaixões pessoais, tecidas na história das
estruturas, dos acontecimentos, das instituições. Mas esse sentido e essa
história são ocultos. (…)”
O sentido de todos os gestos de proximidade passa pelo exercício pessoal da
aproximação a quem é pequeno, fragilizado ou em situação de debilidade, carente
ou enfermo. O “(…) gesto de aproximação
no presente não se esgota em si mesmo, mas antes tece um sentido que o supera.”
Para mim e / ou para si, voluntário do
campo da saúde, quem é meu / seu próximo? Convido à reflexão sobre o tema. Que
esse exercício me ajude (o ajude) e nos ajude a todos que assumimos o
compromisso do voluntariado no campo da saúde, a perceber o valor inestimável
dos nossos gestos diários, que como diz Correia, 2005, “não se esgotam em si mesmos, mas antes tecem um sentido que os supera”.
Creio não errar se afirmar que também na saúde, o voluntariado que é de amor,
compaixão e misericórdia, também é (e muito), de proximidade.
Porto, 27 de agosto de 2016 / João António Pereira, presidente da Direção da Federação Nacional de Voluntariado em Saúde.
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