terça-feira, 23 de agosto de 2016

FALSO VOLUNTARIADO
EM FESTIVAIS DE VERÃO

Leu-se em alguma comunicação social no último dia 17, uma notícia assim titulada: “Detetado falso voluntariado (…) nos festivais de verão”. E a notícia continua assim: “Os inspetores da (…) Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) detetaram casos de falso voluntariado (…) nos festivais de Verão.”
Em declarações à Renascença, responsável da ACT terá falado em balanço positivo, relativamente à operação realizada e admitiu haverem ainda correções a fazer nos próximos anos. Segundo o mesmo responsável, os festivais com fins lucrativos não podem ter voluntários; e o combate ao falso voluntariado tem sido uma das batalhas da Autoridade para as Condições de Trabalho.
“Desde 2013, a ACT tem aumentado o número de festivais que acompanha (em articulação com os promotores e as autarquias), mas o seu responsável, (…) diz que “o objetivo para 2017 é acompanhar todos”.
Em declarações (…), o mesmo responsável deixa já o aviso: “A legislação portuguesa não admite voluntariado em eventos com fins lucrativos, como são os festivais de música. Por isso, não pode existir e se existir, será punido pela ACT. Por enquanto, tem imperado uma postura pedagógica, mas depois os comportamentos incorretos terão de ser alvo de sanção.”
Se eu não conhecesse alguma da realidade do voluntariado em Portugal, ficaria perplexo com o que foi noticiado. Mas não. Não fico. É porque no voluntariado em Portugal, a realidade da não regulação, do incumprimento, e do uso e abuso da mão de obre gratuita, é por demais dura e que urge trazer à tona; e combater.
Os festivais de verão são a ponta do icebergue do que acontece no voluntariado em Portugal. Aqui é dito que os festivais são lucrativos. E isso acontece mesmo que eles tenham como promotores e responsáveis, entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos. Se os beneficiários (ou clientes) dos festivais e de iniciativas similares, não são cidadãos vinculados a quem promove – associados ou outro tipo de membro, então essas iniciativas são chamadas lucrativas e a sua prática sai do âmbito estritamente interno das entidades, sujeitas, por ventura a obrigações legais e fiscais próprias de entidades privadas com fins lucrativos – empresas.
Não raras vezes, certas práticas acontecem em virtude do desconhecimento da Lei. Embora não fosse esse o objetivo deste blogue, convêm esclarecer aqui e a propósito, que as Entidades privadas não lucrativas (não públicas), têm a possibilidade de realizar por ano, 8 eventos (manifestações ocasionais) com objetivo de angariação de fundos, mas sem caraterísticas lucrativas, desde que atempadamente informem a Autoridade Tributária e Aduaneira, sobre o propósito.

Trata-se do Despacho Normativo N.º 118/85 que em certo ponto diz: “As manifestações ocasionais (…) realizam-se com vista à procura para as entidades em causa, meios financeiros excecionais e revestem as mais variadas formas: bailes, concertos, espetáculos de folclore ou variedades, sessões de cinema ou teatro, espetáculos desportivos, sorteios, etc., e normalmente têm lugar em alturas festivas”. E continua no seu n.º 3: “A isenção referida no número anterior, incidirá, não só sobre o direito de acesso às manifestações e aos espetáculos realizados, mas também sobre o conjunto de receitas recebidas pelas entidades beneficiárias relativamente às diversas operações efetuadas nessa ocasião, como por exemplo, bufete, bar, aluguer de stands, venda de programas, lembranças, receitas publicitárias, etc.”.
Mas voltemos ao voluntariado. Passado o tempo após as declarações da coordenadora do Bloco de Esquerda, sobre o voluntariado, às tantas apetece pensar no que ela disse e perceber que afinal, se ela não tinha toda a razão, tem-na pelo menos em parte. Ela, como muitos outros responsáveis políticos, institucionais públicos e privados, sabem o que por esse país fora, acontece de uso e abuso do voluntariado e dos voluntários.
É no setor privado não lucrativo (ou da economia social ou do terceiro setor) que é onde (para além do setor público) é admitida por Lei, a organização e a prática do voluntariado, que se encontra o maior atropelo à legislação em termos do voluntariado e o maior uso e abuso das pessoas generosas que colaboram, quantas vezes sem as condições mínimas para o efeito, como por exemplo o uso de menores ou outras com problemas do foro psiquiátrico. O voluntariado, não é ATL – Atividades de Tempos Livres, para crianças, adolescentes e jovens, não é CAO – Centro de Atividades Ocupacionais, nem é Clínica de Terapia Ocupacional. No entanto, verdade seja dita, essa situação, se por um lado pode indiciar má prática institucional ou de gestão de recursos humanos, por outro, e isso também é verdade, não raras vezes são os cidadãos que apenas pretendem ajudar (ou ajudar-se) se entregam a práticas institucionais pouco éticas e não de acordo com a Lei, e que as instituições admitem.
Não há notícia, que no setor protagonizado pela Federação Nacional de Voluntariado em Saúde e suas associadas, não há notícia dizia eu, da existência de irregularidades e de mau uso do voluntariado. As Organizações do setor, são suficientemente idóneas, responsáveis e sérias, com anos de história (e estórias) e de boa prática e de bom serviço. Elas funcionam quase exclusivamente na base do voluntariado. É muito rara aquela que tenha colaboradores remunerados.
No setor da Federação Nacional de Voluntariado em Saúde e suas associadas, o voluntariado é organizado e é programado. Os voluntários são criteriosamente selecionados, capacitados, acompanhados, avaliados e certificados. Todas as partes envolvidas, encontram-se perfeitamente esclarecidas sobre o compromisso que é assumido (que cumprem), sobre o papel de cada um e de todos; e… e também muito importante, sobre o dever de servir e ajudar os cidadãos mais debilitados, mais carenciados, seja material seja no âmbito dos afetos, das emoções ou dos sentimentos, com o objetivo último de contribuir para a humanização de serviços e cuidados, numa relação interpessoal de proximidade, em ambiente de Unidade de Saúde e / ou na comunidade. O voluntariado no campo da saúde, atua para que aconteça melhoria do bem-estar e das condições de vida de quem é ajudado, para que a felicidade de todos e de cada cidadão, seja cada vez mais real.
Sobre o facto da ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho ter estado presente em festivais de verão, de ter visto o que viu e de ter afirmado o que afirmou… tenho que constatar o seguinte: afinal, em Portugal, existe quem fiscalize e atue relativamente à conformidade da organização e da prática do voluntariado. Se até aqui, esse aspeto não era assim tão visível, parece que agora é. Se alguém pensava que essa tarefa não existia ou se encontrava acometida ao CNPV – Conselho Nacional para a Promoção do Voluntariado, que fique esclarecido. Quem fiscaliza o setor do voluntariado é a ACT - Autoridade para as Condições de Trabalho. E nós todos, instituições e voluntários do campo da saúde, temos que perceber isso mesmo. Não estamos imunes nem estamos isentos. Em um qualquer dia podemos ser visitados pela ACT. Essas visitas não são privilégio dos festivais de verão.
Fonte: https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6211306885350846826#editor/target=post;postID=9190798826725728859
Porto, 23 de agosto de 2016
João António Pereira, presidente da Direção da Federação Nacional de Voluntariado em Saúde

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