FALSO VOLUNTARIADO
EM FESTIVAIS DE VERÃO
Leu-se em alguma comunicação social no
último dia 17, uma notícia assim titulada: “Detetado
falso voluntariado (…) nos festivais de verão”. E a notícia continua assim:
“Os inspetores da (…) Autoridade para as
Condições de Trabalho (ACT) detetaram casos de falso voluntariado (…) nos
festivais de Verão.”
Em declarações à Renascença, responsável da ACT terá
falado em balanço positivo, relativamente à operação realizada e admitiu haverem
ainda correções a fazer nos próximos anos. Segundo o mesmo responsável, os festivais
com fins lucrativos não podem ter voluntários; e o combate ao falso
voluntariado tem sido uma das batalhas da Autoridade para as Condições de
Trabalho.
“Desde
2013, a ACT tem aumentado o número de festivais que acompanha (em articulação
com os promotores e as autarquias), mas o seu responsável, (…) diz que “o objetivo
para 2017 é acompanhar todos”.
Em declarações (…), o mesmo responsável deixa já o
aviso: “A legislação portuguesa não
admite voluntariado em eventos com fins lucrativos, como são os festivais de
música. Por isso, não pode existir e se existir, será punido pela ACT. Por
enquanto, tem imperado uma postura pedagógica, mas depois os comportamentos incorretos
terão de ser alvo de sanção.”
Se eu não conhecesse alguma da realidade do
voluntariado em Portugal, ficaria perplexo com o que foi noticiado. Mas não.
Não fico. É porque no voluntariado em Portugal, a realidade da não regulação,
do incumprimento, e do uso e abuso da mão de obre gratuita, é por demais dura e
que urge trazer à tona; e combater.
Os festivais de verão são a ponta do
icebergue do que acontece no voluntariado em Portugal. Aqui é dito que os festivais
são lucrativos. E isso acontece mesmo que eles tenham como promotores e responsáveis,
entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos. Se os beneficiários (ou
clientes) dos festivais e de iniciativas similares, não são cidadãos vinculados
a quem promove – associados ou outro tipo de membro, então essas iniciativas
são chamadas lucrativas e a sua prática sai do âmbito estritamente interno das
entidades, sujeitas, por ventura a obrigações legais e fiscais próprias de
entidades privadas com fins lucrativos – empresas.
Não raras vezes, certas práticas acontecem
em virtude do desconhecimento da Lei. Embora não fosse esse o objetivo deste
blogue, convêm esclarecer aqui e a propósito, que as Entidades privadas não
lucrativas (não públicas), têm a possibilidade de realizar por ano, 8 eventos (manifestações
ocasionais) com objetivo de angariação de fundos, mas sem caraterísticas
lucrativas, desde que atempadamente informem a Autoridade Tributária e
Aduaneira, sobre o propósito.
Trata-se do Despacho Normativo N.º 118/85
que em certo ponto diz: “As manifestações
ocasionais (…) realizam-se com vista à procura para as entidades em causa, meios
financeiros excecionais e revestem as mais variadas formas: bailes, concertos,
espetáculos de folclore ou variedades, sessões de cinema ou teatro, espetáculos
desportivos, sorteios, etc., e normalmente têm lugar em alturas festivas”. E
continua no seu n.º 3: “A isenção referida
no número anterior, incidirá, não só sobre o direito de acesso às manifestações
e aos espetáculos realizados, mas também sobre o conjunto de receitas recebidas
pelas entidades beneficiárias relativamente às diversas operações efetuadas
nessa ocasião, como por exemplo, bufete, bar, aluguer de stands, venda de
programas, lembranças, receitas publicitárias, etc.”.
Mas voltemos ao voluntariado. Passado o
tempo após as declarações da coordenadora do Bloco de Esquerda, sobre o
voluntariado, às tantas apetece pensar no que ela disse e perceber que afinal,
se ela não tinha toda a razão, tem-na pelo menos em parte. Ela, como muitos
outros responsáveis políticos, institucionais públicos e privados, sabem o que
por esse país fora, acontece de uso e abuso do voluntariado e dos voluntários.
É no setor privado não lucrativo (ou da
economia social ou do terceiro setor) que é onde (para além do setor público) é
admitida por Lei, a organização e a prática do voluntariado, que se encontra o
maior atropelo à legislação em termos do voluntariado e o maior uso e abuso das
pessoas generosas que colaboram, quantas vezes sem as condições mínimas para o
efeito, como por exemplo o uso de menores ou outras com problemas do foro psiquiátrico.
O voluntariado, não é ATL – Atividades de Tempos Livres, para crianças,
adolescentes e jovens, não é CAO – Centro de Atividades Ocupacionais, nem é
Clínica de Terapia Ocupacional. No entanto, verdade seja dita, essa situação,
se por um lado pode indiciar má prática institucional ou de gestão de recursos
humanos, por outro, e isso também é verdade, não raras vezes são os cidadãos
que apenas pretendem ajudar (ou ajudar-se) se entregam a práticas
institucionais pouco éticas e não de acordo com a Lei, e que as instituições
admitem.
Não há notícia, que no setor protagonizado
pela Federação Nacional de Voluntariado em Saúde e suas associadas, não há
notícia dizia eu, da existência de irregularidades e de mau uso do
voluntariado. As Organizações do setor, são suficientemente idóneas,
responsáveis e sérias, com anos de história (e estórias) e de boa prática e de
bom serviço. Elas funcionam quase exclusivamente na base do voluntariado. É muito
rara aquela que tenha colaboradores remunerados.
No setor da Federação Nacional de
Voluntariado em Saúde e suas associadas, o voluntariado é organizado e é
programado. Os voluntários são criteriosamente selecionados, capacitados,
acompanhados, avaliados e certificados. Todas as partes envolvidas,
encontram-se perfeitamente esclarecidas sobre o compromisso que é assumido (que
cumprem), sobre o papel de cada um e de todos; e… e também muito importante,
sobre o dever de servir e ajudar os cidadãos mais debilitados, mais
carenciados, seja material seja no âmbito dos afetos, das emoções ou dos
sentimentos, com o objetivo último de contribuir para a humanização de serviços
e cuidados, numa relação interpessoal de proximidade, em ambiente de Unidade de
Saúde e / ou na comunidade. O voluntariado no campo da saúde, atua para que
aconteça melhoria do bem-estar e das condições de vida de quem é ajudado, para
que a felicidade de todos e de cada cidadão, seja cada vez mais real.
Sobre o facto da ACT – Autoridade para as
Condições de Trabalho ter estado presente em festivais de verão, de ter visto o
que viu e de ter afirmado o que afirmou… tenho que constatar o seguinte: afinal,
em Portugal, existe quem fiscalize e atue relativamente à conformidade da
organização e da prática do voluntariado. Se até aqui, esse aspeto não era
assim tão visível, parece que agora é. Se alguém pensava que essa tarefa não
existia ou se encontrava acometida ao CNPV – Conselho Nacional para a Promoção
do Voluntariado, que fique esclarecido. Quem fiscaliza o setor do voluntariado é
a ACT - Autoridade para as Condições de Trabalho. E nós todos, instituições e
voluntários do campo da saúde, temos que perceber isso mesmo. Não estamos
imunes nem estamos isentos. Em um qualquer dia podemos ser visitados pela
ACT. Essas visitas não são privilégio dos festivais de verão.
Fonte: https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6211306885350846826#editor/target=post;postID=9190798826725728859
Porto, 23 de agosto de 2016
João António Pereira, presidente da Direção da Federação Nacional de Voluntariado em Saúde
Sem comentários:
Enviar um comentário