Pode ser-se voluntário "free-lancer"
no
campo da saúde?
O conceito “campo da saúde (health field)”, terá sido formulado pela primeira vez em 1974, por Marc
Lalonde, ministro da Saúde e do Bem-estar do Canadá. De acordo com o autor, “o campo da saúde abrange a biologia humana,
o meio ambiente, o estilo de vida e a organização da assistência à saúde”,
considerando que “saúde é o estado do
mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de
enfermidade (OMS)”.
Conforme a legislação portuguesa “voluntariado é o conjunto de ações de
interesse social e comunitário realizadas de forma desinteressada por pessoas,
no âmbito de projetos, programas e outras formas de intervenção ao serviço dos
indivíduos, das famílias e da comunidade desenvolvidos sem fins lucrativos (...)”, não
sendo abrangidas “(…) as atuações que embora desinteressadas, tenham um carácter isolado e esporádico ou sejam
determinadas por razões familiares, de amizade e de boa vizinhança.” (Lei
71/98, artigo 2.º); e “voluntário é o
indivíduo que de forma livre, desinteressada e responsável se compromete, de
acordo com as suas aptidões próprias e no seu tempo livre, a realizar ações de
voluntariado no âmbito de uma organização promotora.” (Lei 71/98, artigo
3.º, n.º 1).
A Lei estabelece de modo muito claro, o que
é o voluntariado, quem é voluntário; e quando é que se está em presença de
atuações que não são voluntariado, nem quem atua, é voluntário. E o campo da
saúde não é imune a isso mesmo. A Lei é geral e inclui todos os setores de
atividade passíveis de integrarem ou onde já existe voluntariado organizado.
O facto de se encontrar reconhecido “o valor social do voluntariado como
expressão do exercício livre de uma cidadania ativa e solidária (…)” (Lei
71/98, artigo 5.º) e de o Estado o promover e garantir a sua autonomia e
pluralismo… isso não dá o direito a nenhum cidadão, nem é razão, para a
existência de expressões de pretenso voluntariado que mais não são que atuações
muitas vezes determinadas por razões familiares, de amizade e de boa vizinhança,
quantas vezes (mais do que se possa imaginar) movidas por intenções e interesses colaterais ao bem-estar da
população alvo; e mesmo da cultura das Organizações.
É recorrente no campo da saúde, pelo menos, a tentativa de atuação isolada de cidadãos em seu próprio nome, embora
manifestem à partida, as melhores intenções relativamente ao que pretendem
realizar em alguma Unidade de Saúde. Ora. Também na saúde, não há nem se
pretende que haja, voluntariado não promovido nem enquadrado por alguma
Organização, seja ela pública ou privada sem finalidade lucrativa, como são
exemplos, as Ligas de Amigos ou as Associações de Voluntariado ou de
Voluntários; ou os coletivos de doentes.
O voluntariado em saúde (ou no campo da
saúde) é sério, responsável e contribui inequivocamente para o bem-estar dos
utentes e para o aumento do nível da qualidade dos serviços e dos cuidados que
se prestam nas Unidades de Saúde, evidenciando-se a satisfação de todos os
stakeholders. Isso encontra-se por demais reconhecido a todos os níveis do Sistema
Nacional de Saúde. O voluntariado enquadrado em Organizações Promotoras e
exercido por voluntários devidamente formados e capacitados; e coordenados
tecnicamente, é a realidade que existe e que se pretende exista cada vez mais
no campo da saúde em Portugal.
São dezenas ou centenas, as Organizações que
em todo o país e nomeadamente no Serviço Nacional de Saúde… e milhares, os
voluntários, que de modo solidário, gratuito e responsável, e também em
convergência, em cooperação e em complementaridade, participam de forma livre,
mas organizada, na prestação de serviços e cuidados aos utentes, quer em Unidades
de Saúde quer na comunidade, quer mesmo na promoção e na educação para a saúde.
Em jeito de conclusão, mas talvez também de repetição, o voluntariado no campo da saúde em Portugal, no presente e no futuro, é e terá necessariamente que ser, organizado, estruturado, respeitado e respeitador, não só dos interesses, mas também das vontades das pessoas e das Organizações. A prova da mais-valia disso mesmo pode observar-se na existência e no surgimento cada vez maior de iniciativas nesse sentido, iniciativas inovadoras e mais adequadas às novas realidades. É visível a satisfação de muitas entidades, mas sobretudo e por exemplo, das Unidades de Saúde, no acolhimento e na abertura a essas novas realidades organizativas de voluntariado, quando não são elas mesmas a promover o seu surgimento. E não se observa que essa postura e essa prática passe pela aceitação de voluntários desenquadrados de estruturas organizadas ou free-lancers.
Com voluntariado em saúde, organizado, humanizado e humanizador, todos têm (temos) a ganhar. Os utentes, os voluntários e as suas Organizações, assim como as entidades prestadoras dos serviços e dos cuidados de saúde. Assim teremos (e seremos) cidadãos e sociedade, com mais saúde. Logo, mais felizes.
Porto, 17 de agosto de 2016
João António Pereira
Presidente da Direção da Federação Nacional
de Voluntariado em Saúde
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