quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Pelos caminhos do voluntariado em saúde.........

Pode ser-se voluntário "free-lancer"
no campo da saúde?

O conceito “campo da saúde (health field)”, terá sido formulado pela primeira vez em 1974, por Marc Lalonde, ministro da Saúde e do Bem-estar do Canadá. De acordo com o autor, “o campo da saúde abrange a biologia humana, o meio ambiente, o estilo de vida e a organização da assistência à saúde”, considerando que “saúde é o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade (OMS)”.

Conforme a legislação portuguesa “voluntariado é o conjunto de ações de interesse social e comunitário realizadas de forma desinteressada por pessoas, no âmbito de projetos, programas e outras formas de intervenção ao serviço dos indivíduos, das famílias e da comunidade desenvolvidos sem fins lucrativos (...)”, não sendo abrangidas “(…) as atuações que embora desinteressadas, tenham um carácter isolado e esporádico ou sejam determinadas por razões familiares, de amizade e de boa vizinhança.” (Lei 71/98, artigo 2.º); e “voluntário é o indivíduo que de forma livre, desinteressada e responsável se compromete, de acordo com as suas aptidões próprias e no seu tempo livre, a realizar ações de voluntariado no âmbito de uma organização promotora.” (Lei 71/98, artigo 3.º, n.º 1).

A Lei estabelece de modo muito claro, o que é o voluntariado, quem é voluntário; e quando é que se está em presença de atuações que não são voluntariado, nem quem atua, é voluntário. E o campo da saúde não é imune a isso mesmo. A Lei é geral e inclui todos os setores de atividade passíveis de integrarem ou onde já existe voluntariado organizado.

O facto de se encontrar reconhecido “o valor social do voluntariado como expressão do exercício livre de uma cidadania ativa e solidária (…)” (Lei 71/98, artigo 5.º) e de o Estado o promover e garantir a sua autonomia e pluralismo… isso não dá o direito a nenhum cidadão, nem é razão, para a existência de expressões de pretenso voluntariado que mais não são que atuações muitas vezes determinadas por razões familiares, de amizade e de boa vizinhança, quantas vezes (mais do que se possa imaginar) movidas por intenções e interesses colaterais ao bem-estar da população alvo; e mesmo da cultura das Organizações.

É recorrente no campo da saúde, pelo menos, a tentativa de atuação isolada de cidadãos em seu próprio nome, embora manifestem à partida, as melhores intenções relativamente ao que pretendem realizar em alguma Unidade de Saúde. Ora. Também na saúde, não há nem se pretende que haja, voluntariado não promovido nem enquadrado por alguma Organização, seja ela pública ou privada sem finalidade lucrativa, como são exemplos, as Ligas de Amigos ou as Associações de Voluntariado ou de Voluntários; ou os coletivos de doentes.

O voluntariado em saúde (ou no campo da saúde) é sério, responsável e contribui inequivocamente para o bem-estar dos utentes e para o aumento do nível da qualidade dos serviços e dos cuidados que se prestam nas Unidades de Saúde, evidenciando-se a satisfação de todos os stakeholders. Isso encontra-se por demais reconhecido a todos os níveis do Sistema Nacional de Saúde. O voluntariado enquadrado em Organizações Promotoras e exercido por voluntários devidamente formados e capacitados; e coordenados tecnicamente, é a realidade que existe e que se pretende exista cada vez mais no campo da saúde em Portugal.
São dezenas ou centenas, as Organizações que em todo o país e nomeadamente no Serviço Nacional de Saúde… e milhares, os voluntários, que de modo solidário, gratuito e responsável, e também em convergência, em cooperação e em complementaridade, participam de forma livre, mas organizada, na prestação de serviços e cuidados aos utentes, quer em Unidades de Saúde quer na comunidade, quer mesmo na promoção e na educação para a saúde.

Em jeito de conclusão, mas talvez também de repetição, o voluntariado no campo da saúde em Portugal, no presente e no futuro, é e terá necessariamente que ser, organizado, estruturado, respeitado e respeitador, não só dos interesses, mas também das vontades das pessoas e das Organizações. A prova da mais-valia disso mesmo pode observar-se na existência e no surgimento cada vez maior de iniciativas nesse sentido, iniciativas inovadoras e mais adequadas às novas realidades. É visível a satisfação de muitas entidades, mas sobretudo e por exemplo, das Unidades de Saúde, no acolhimento e na abertura a essas novas realidades organizativas de voluntariado, quando não são elas mesmas a promover o seu surgimento. E não se observa que essa postura e essa prática passe pela aceitação de voluntários desenquadrados de estruturas organizadas ou free-lancers.

Com voluntariado em saúde, organizado, humanizado e humanizador, todos têm (temos) a ganhar. Os utentes, os voluntários e as suas Organizações, assim como as entidades prestadoras dos serviços e dos cuidados de saúde. Assim teremos (e seremos) cidadãos e sociedade, com mais saúde. Logo, mais felizes.
Porto, 17 de agosto de 2016
João António Pereira
Presidente da Direção da Federação Nacional de Voluntariado em Saúde

Sem comentários:

Enviar um comentário