segunda-feira, 29 de agosto de 2016

“Vivi em resignação
quanto à pobreza
até que descobri
o sentido da dignidade”
Eugénio Fonseca, presidente da Direção da CPV
Eugénio Fonseca é o presidente da Cáritas Portuguesa. Nascido numa família pobre, aceitou durante muito tempo a fatalidade da sua condição, incomodando-se com aqueles que se revoltavam e faziam demasiadas perguntas. O “bispo vermelho”, um semáforo e uma mulher digna mudaram-lhe a vida.
Não sei o dia preciso em que a minha vida mudou, mas sei o local exacto onde isso aconteceu, há 30 anos. Pediram-me que fosse buscar o bispo Manuel Martins ao aeroporto e no regresso pela Avenida do Brasil parámos num semáforo em frente à porta do hospital psiquiátrico Júlio de Matos. O sinal vermelho estava aberto e o bispo disse-me que queria convidar-me para assumir a responsabilidade da Cáritas Diocesana de Setúbal. Eu disse-lhe que não percebia nada daquilo, que era demasiado novo. Setúbal vivia nessa altura uma crise gravíssima que afectou tragicamente muitas famílias. A resposta dele deixou-me confuso, mas ao mesmo tempo fez-me dizer-lhe que sim: ‘É precisamente por não perceberes que te convido. Não sabendo o que fazer, vais ousar fazer diferente.’
Eu nasci numa família de classe média muito baixa, pai pescador, mãe operária conserveira, cama partilhada com o irmão mais velho. Sabia o que era não ter um brinquedo como o do colega, ter um livro no qual não podia riscar (hoje, livro que me caia nas mãos é sempre martirizado por uma caneta), não vestir roupa nova porque tinha de vestir a do meu irmão, estrear o primeiro fato no baile de finalistas do liceu. E sentia a dureza da vida dos meus pais, transmitida pelas lágrimas que lhes corriam nos olhos, pelos comentários mais revoltosos contra a forma como eram tratados. Contra o mar, que tinha tanto de belo como de perigoso. Nas noites de tempestade, era uma verdadeira alegria quando ouvíamos bater à porta, sinal de que o meu pai não tinha saído com o barco. Durante muito tempo olhei para a condição da minha família como uma fatalidade. Os meus pais diziam-me: ‘Não tivemos tanta sorte como os outros’, ‘Há que aceitar.’
Mas houve um momento em que essa fatalidade foi interrompida. A professora primária do meu irmão descobriu que ele tinha índices cognitivos acima da média e achava que era uma pena que fossem postos de lado. O normal para o filho de um pescador, a ambição possível, era ir para o mar, deixar de trabalhar por conta do mestre, comprar o próprio barco e uma casa no bairro. A minha mãe interiorizou o desafio e com o meu pai investiram na formação do meu irmão. O meu irmão ia recebendo bolsas de estudo e lá em casa as despesas acrescidas eram colmatadas pelos apoios assistencialistas dos grémios das associações profissionais.

Como qualquer jovem, fui tendo as minhas dúvidas sobre a existência de Deus, mas encontrei sempre na comunidade cristã um espaço que completava o espaço da família. Assim que o meu irmão começou a avançar nos estudos, entrou em conflito com a religião. Confrontando aquilo que ele sabia das práticas da nossa infância com os estudos académicos, passou a interpretar a religião como um fator de resignação que nos leva a aceitar o mal da vida com paciência porque o prémio viria depois, numa outra existência. Em determinada altura, acho que ele olhava para mim como um pobrezinho que andava com os padres, coisa de gente pouco culta. Quando conversávamos sobre isto, ele fazia-o com escárnio.
A mim incomodavam-me os sentimentos de revolta do meu irmão. E os sentimentos de revolta de outros pobres. Eu achava que se aquela era a nossa condição não nos restava mais nada a não ser aceitar. Apesar de eu ter continuado os estudos, durante muito tempo não questionei, aceitei tudo.
Até ao semáforo.
Não foi fácil. Nem imediato. Tive de aprender a viver com outro olhar porque as viragens não são mágicas. São aprendizagens. Cheguei a pertencer a organizações caritativas da Igreja em que, para serem classificadas como pobres, as pessoas tinham de viver em barracas, de se vestir mal, de ter comportamentos menos sociáveis. E na Cáritas comecei por fazer como antes – pensava pelas pessoas, decidia o que tinha de fazer e entrava nas casas dos pobres a dar ordens. Nem me chocavam as histórias pessoais porque partia de uma posição moralista. Ouvia e dizia: ‘Fala isto e faça o outro.’ Era assim que as assistentes sociais, as meninas do inquérito, faziam quando iam à minha casa saber da pobreza dos meus pais…
Um dia, uma jovem muito maquilhada e bem vestida dirigiu-se a uma das sessões de atendimento para pedir dinheiro para comprar uma lata de leite em pó NAN porque ela e o marido tinham ficado desempregados. Do alto do meu poder, ao ter diante de mim uma pessoa tão frágil, não disse àquela mulher se lhe dava ou não o dinheiro. ‘Tem de pensar as suas opções de vida.’ ’Não pode gastar dinheiro nessas coisas que mete na cara.’ ‘Não pode ir à cabeleireira.’ Ela levantou-se de repente da cadeira, olhou-me de cima para baixo e disse-me: ‘Não vim aqui para receber lições. Tenho o meu filho pequenino com fome e precisava da vossa ajuda. Como não têm ajuda para me dar, mas lições, não quero que me deem nada.’
Quando ela me olhou, senti que o meu poder era um engano. Foi uma mulher com grande dignidade. Percebi naquele momento que se tivesse vivido toda a vida como aquela mulher talvez tivesse tido um crescimento interior mais tranquilo. A viragem que começou na minha vida em frente àquele semáforo e que o meu irmão tinha completado anos antes ficou concluída naquele dia. Descobri o sentido da minha dignidade naquele dia.

Mas não me afastei de Deus, como o meu irmão. Fui estudar Teologia e no estudo percebi que o cerne da religião não era o mesmo do da religiosidade. Ser religioso e ser crente é apostar no respeito e na defesa da dignidade de todos os seres humanos. Até aí não tinha percebido que o bispo de Setúbal me tinha colocado numa posição de defender os direitos das pessoas e levá-las a conhecerem os seus direitos para elas próprias lutarem por eles. Em frente àquele semáforo fui posto num ângulo para olhar a realidade de outra forma. Hoje vejo que foi ali que comecei a criar espaço dentro de mim para perceber que não estava a seguir Cristo pelo caminho certo. Até ao semáforo eu seguia a norma, o rito, andava por onde me mandavam. Hoje sei a quem sigo.
Depois de estar nesse ângulo de visão, não voltei a ir ao encontro dos pobres com uma mensagem de resignação – ‘Tome lá e diga obrigado e seja bonzinho para merecer aquilo que lhe estamos a dar.’ Esta viragem tornou-me a vida menos tranquila em termos de tempo, de confronto de ideias, de suspeições. Há muitas vozes dentro da Igreja que têm de lidar com isto. Chamavam a Manuel Martins ‘o bispo vermelho’, este Papa para muitos também é comunista. Dom Hélder Câmara disse-o bem: ‘Quando eu dava comida aos pobres, diziam que eu era muito bonzinho. Quando passei a perguntar aos pobres por que eram pobres, perguntaram-me se eu era comunista.’ Eu sou muitas vezes apontado como sendo de esquerda. Porquê tudo isto se o Evangelho existe antes d’O Capital de Marx?
Quando o meu irmão vai jantar a minha casa, já não ataca as pessoas da Igreja. Agora faz perguntas, põe muitas questões. Houve uma aproximação mútua – fui mais para o lado dele e ele tem vindo a aperceber-se de que a religião não é só cumprir ritos e promessas. Ele já não pensa como pensava e eu mudei. Sou mais tolerante, sou capaz de dialogar com gente que pensa de forma diferente. Antes do semáforo, essas pessoas eram inimigas. Já não volto ao tempo antes do semáforo, mas enquanto cá estiver muitas outras mudanças vão acontecer na minha vida.
Abençoado semáforo. A minha vida tem sido uma loucura desde que fiquei parado no sinal vermelho em frente ao Júlio de Matos. Mas foi uma loucura sadia aquela que se apoderou de mim.

Fonte: CATARINA FERNANDES MARTINS (Texto) e RUI GAUDÊNCIO (Foto) 28/08/2016 - 07:01 https://www.publico.pt/sociedade/noticia/vivi-em-resignacao-quanto-a-pobreza-ate-que-descobri-o-sentido-da-dignidade-1741828
Nota: Eugénio Fonseca é o presidente da Direção da Confederação Portuguesa do Voluntariado.

sábado, 27 de agosto de 2016

QUEM É O MEU PRÓXIMO?

Tomei contacto com o termo voluntariado de proximidade, a partir de projetos para a sua implementação, originários no Banco de Voluntariado de Évora / Fundação Eugénio de Almeida, que operacionalizados nos Núcleos de Voluntariado de Proximidade, têm por objetivo “a prática de voluntariado numa ótica territorial, baseada nas relações de proximidade, confiança e vizinhança, no sentido de prestar apoio a pessoas, famílias ou instituições, procurando dar respostas a problemas que não carecem de uma resposta específica de natureza técnica e/ou profissional.”

Essas estruturas, os Núcleos de Voluntariado de Proximidade, assentam na colaboração entre diferentes entidades com sede ou atuação direta numa freguesia (…), apoiado pela mediação de Conselheiros (…) que dinamizam o funcionamento do Núcleo, encaminhando os voluntários em função dos apoios solicitados.”

O público alvo do voluntariado de proximidade, “são pessoas ou famílias (…) que apresentem problemas de cariz pessoal e familiar que não tenham resposta das redes de solidariedade informais (…) nem das organizações prestadoras de serviços (respostas sociais). São igualmente destinatários deste projeto as organizações sem fins lucrativos que possam beneficiar da colaboração dos voluntários de proximidade (…).”

Se o voluntariado de proximidade é um serviço às pessoas e às famílias; e se esse aspeto já se encontra plasmado no conceito de voluntariado da Lei 71/98…. Então devo questionar: - E quem é o meu próximo? O voluntariado de proximidade poderá ter apenas a ver com comunidades territorialmente constituídas, ou também com outro tipo de comunidades que poderão ser as Unidades de Saúde?
Afinal quem é o meu próximo? 

Esta questão é muito conhecida e muito antiga. Tem por base um episódio bíblico, mas ele mesmo tem norteado muito voluntariado e muitos voluntários do campo da saúde. Segundo Correia (2005), na narrativa bíblica, o doutor procurava um enquadramento social “passível de ser observado, definido e, por isso, delimitado. A sua pergunta pediria esta resposta: o meu próximo é... este e aquele e aquele outro. E, uma vez encontrado, estaria estabelecido o raio da proximidade à qual estaria obrigado. Fora dele, a não obrigação ou a indiferença que se protegeriam na desresponsabilização cómoda e tranquilizadora: não, esse não é o meu próximo, porque o meu próximo é este e aquele e aquele outro”.

Mas não, “próximo não cabe numa definição. Diz antes respeito ao comportamento efetivo de se tornar presente a alguém. O próximo não é a saber. Não se trata de saber previamente quem é o meu próximo nem de delimitar de antemão o raio restrito da proximidade. Não se tem um próximo. Faço-me, sim, efetivamente, próximo de alguém. Esse alguém, de quem efetivamente me aproximei de forma pessoal, é o único referencial para se saber do próximo.”

Ser presente ou próximo, é não se ser apresentado em categorias sociais, revestido de funções sociais, absorvido por nobres e mais ou menos santos ofícios, indisponível para a surpresa que o encontro requer. A categoria de quem se faz presente ou próximo, é não ser nem ter categoria nenhuma. É estar “pronto a mudar de caminho e inventar uma conduta imprevista”. É estar “disponível para o encontro, para lá de toda a mediação social e sem recurso a nenhum critério de conduta social, prévia e exteriormente estabelecido.”

É o “encontro, efetivamente acontecido, aquele que torna uma pessoa presente a outra pessoa. Isso é ser próximo. Queres saber então quem é o teu próximo? Aproxima-te. Só esse, de quem efetivamente te aproximaste, foi teu próximo. O resto não passou de uma boa intenção. E de boas intenções sabe bem a sabedoria popular o que é que está cheio.

São encontros tecidos com gestos simples – dar de comer ou de beber, vestir, visitar, etc. –, feitos a quem vive situações limite e está socialmente indefeso, desarmado e exposto ao arbítrio alheio, reduzido ao mais elementar da sua condição humana. O destinatário destes gestos é chamado pequenino, aquele que, como nos diz Ricoeur, não desempenha na história função condutora; é apenas o figurante que fornece a ração de sofrimento necessário à grandiosidade dos verdadeiros acontecimentos «históricos»; é o anónimo que conduz a caravana e sem o qual ao grande alpinista faltaria a glória; é o soldado de segunda categoria sem o qual os grandes capitães não apenas não seriam capazes de suas grandes manobras de génio, como ainda não o seriam de seus erros trágicos; [...] é a «pessoa deslocada», pura vítima dos grandes conflitos e das grandes revoluções . E a lista poderia continuar com outros tantos exemplos da nossa experiência individual e coletiva. (…)

Ora, o sentido dos gestos (…) pelos quais o encontro acontece, não é refletido no grande sentido da história nem no sentido dos grandes da história. Existe outro sentido – esclarece Ricoeur – que reagrupa todos os minúsculos encontros deixados de lado pela história dos grandes; é outra história, uma história dos atos, dos acontecimentos, das compaixões pessoais, tecidas na história das estruturas, dos acontecimentos, das instituições. Mas esse sentido e essa história são ocultos. (…)” O sentido de todos os gestos de proximidade passa pelo exercício pessoal da aproximação a quem é pequeno, fragilizado ou em situação de debilidade, carente ou enfermo. O “(…) gesto de aproximação no presente não se esgota em si mesmo, mas antes tece um sentido que o supera.”

Para mim e / ou para si, voluntário do campo da saúde, quem é meu / seu próximo? Convido à reflexão sobre o tema. Que esse exercício me ajude (o ajude) e nos ajude a todos que assumimos o compromisso do voluntariado no campo da saúde, a perceber o valor inestimável dos nossos gestos diários, que como diz Correia, 2005, “não se esgotam em si mesmos, mas antes tecem um sentido que os supera”. Creio não errar se afirmar que também na saúde, o voluntariado que é de amor, compaixão e misericórdia, também é (e muito), de proximidade.
Porto, 27 de agosto de 2016 / João António Pereira, presidente da Direção da Federação Nacional de Voluntariado em Saúde.

A Paz sem Vencedor e sem Vencidos


Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos 

A paz sem vencedor e sem vencidos 
Que o tempo que nos deste seja um novo 
Recomeço de esperança e de justiça 
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos 

A paz sem vencedor e sem vencidos 

Erguei o nosso ser à transparência 
Para podermos ler melhor a vida 
Para entendermos vosso mandamento 
Para que venha a nós o vosso reino 
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos 

A paz sem vencedor e sem vencidos 

Fazei Senhor que a paz seja de todos 
Dai-nos a paz que nasce da verdade 
Dai-nos a paz que nasce da justiça 
Dai-nos a paz chamada liberdade 
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos 

A paz sem vencedor e sem vencidos 

Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Dual' 

Tema do Dia Mundial da Paz de 2017

“A não-violência:
estilo de uma política para a Paz”


O Dia Mundial da Paz é celebrado todos os anos no primeiro dia de janeiro a pedido do Papa Paulo VI. Nesta sexta-feira, 26, foi publicado o tema da Mensagem do Papa para o próximo que será o 50° Dia Mundial da Paz, e que se celebrará a 1 de janeiro de 2017.
“A não-violência: estilo de uma política para a Paz”: eis o tema escolhido por Francisco para o próximo Dia Mundial da Paz, o quarto do seu Pontificado.

A violência e a paz estão à origem de dois modos opostos de construir a sociedade. A difusão dos focos de violência gera experiências sociais gravíssimas e negativas. O Papa resume esta situação na expressão “Terceira guerra mundial em capítulos”.
Ao invés, a paz tem consequências sociais positivas e permite um verdadeiro progresso. Devemos, portanto, agir nos espaços possíveis, negociando caminhos de paz, até mesmo onde tais caminhos parecem tortuosos ou impraticáveis.

Caminho de esperança
Deste modo, a “não violência” pode assumir um significado mais amplo e novo: não apenas aspiração, inspiração, rejeição moral da violência, das barreiras, dos impulsos destruidores, mas também método político realista, aberto à esperança.
Trata-se de um método político fundado na primazia do direito. Se o direito e a igual dignidade de cada ser humano são salvaguardados sem discriminações e distinções. De consequência, a “não violência”, entendida como método político, pode constituir um meio realista para superar os conflitos armados. Nesta perspetiva, é importante reconhecer, sempre mais, não o direito da força, mas a força do direito.

Com esta Mensagem para o Dia Mundial da Paz, o Santo Padre deseja indicar um passo ulterior, um caminho de esperança apropriado às circunstâncias históricas presentes: chegar à solução das controvérsias através das negociações, evitando que elas se degenerem em conflito armado.
Atrás desta perspetiva, há também o respeito pela cultura e a identidade dos povos, portanto, a superação da ideia, segundo a qual, uma parte seja moralmente superior à outra. Mas, ao mesmo tempo, isto não significa que uma nação possa ser indiferente diante das tragédias de outras. Pelo contrário, significa reconhecer a primazia da diplomacia diante dos estrondos das armas.

O tráfico mundial das armas é tão vasto a ponto de ser subestimado. O tráfico ilegal das armas sustenta muitos conflitos no mundo. A “não violência” como estilo político, pode e deve fazer muito mais para superar este flagelo.

Fonte: http://noticias.cancaonova.com/mundo/vaticano-publica-tema-do-dia-mundial-da-paz-2017/

Nota do transcritor: se a não violência é um estilo de política para a Paz... e se a política, para além de ser a "arte da organização das nações", também é a atividade dos cidadãos que se ocupam dos assuntos que têm a ver com a sociedade e com a comunidade, então o tema tem também a ver connosco, voluntários do campo da saúde; e a postura e a prática da não violência, passa sem dúvida e outrossim, pela nossa ação pessoal e quotidiana de promoção e desenvolvimento de ações concretas com vista à transformação das condições sociais que geram sofrimento e violência, seja ela de que nível ou grau for. Também nós, somos agentes da paz, e também do amor, se se quiser.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Fazer voluntariado depois dos 40
melhora saúde mental
O voluntariado tem um efeito positivo em qualquer idade, mas depois dos 40 parece ser ainda melhor.

O trabalho dos voluntários é sempre de louvar, mas não é apenas quem é ajudado que fica a ganhar com este ato de boa vontade. Um estudo da Universidade de Southampton, no Reino Unido, revela que o voluntariado a partir dos 40 anos pode melhorar a saúde mental.

A investigação analisou as respostas de cinco mil britânicos em questionários realizados em 1996, 1998, 2000, 2002, 2004, 2006 e 2008, tendo sido dadas mais de 66 mil respostas, como conta a FOX News.

De todas as respostas dadas, 20% confessou fazer voluntariado e foram essas mesmas pessoas as que apresentaram melhores resultados em testes cognitivos, quando comparadas com aquelas que nunca tinham feito trabalho voluntário na vida.

O estudo revela ainda que os benefícios para a saúde mental eram maiores quantas mais vezes era realizado este tipo de trabalho não remunerado e em prol de causas, contudo, esta ligação apenas foi notada em pessoas com mais de 40 anos, embora os investigadores defendam que o voluntariado é benéfico em qualquer idade.

Em causa, lê-se na publicação, está o facto das pessoas que são voluntárias a partir dos 40 terem uma rede social maior, mais poder e prestígio, o que mexe positivamente não só com o ego, como também com o bem-estar.


https://www.noticiasaominuto.com/lifestyle/636465/fazer-voluntariado-depois-dos-40-melhora-saude-mental

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

O controlo do registo criminal
de voluntários
a trabalhar com crianças,
pode falhar
O Provedor de Justiça recomendou que o cadastro (Certificado do Registo Criminal) deixe de ser pedido anualmente. Especialistas questionam eficácia deste sistema para proteger menores de abusos.
A hipótese de os trabalhadores com contacto regular com crianças e jovens deixarem de ser obrigados a apresentar todos os anos o registo criminal à entidade empregadora suscita reservas de profissionais da justiça ou da proteção de crianças e jovens. Se a recomendação enviada em junho à Assembleia da República pelo provedor de Justiça, José de Faria Costa, for acolhida pelos deputados, quem trabalha com crianças poderá ficar apenas obrigado a apresentar o certificado de registo criminal no momento em que inicia funções e não todos os anos, como acontece desde 2015.

A proposta do provedor prevê que sejam as autoridades judiciárias a comunicar às entidades empregadoras decisões judiciais relevantes de trabalhadores seus. Mas deixa em aberto a forma de passar essa informação, no caso de trabalhadores do sector privado ou voluntários, para que seja definida pelos deputados.

É precisamente nas situações de pessoas que trabalham com crianças, em regime de voluntariado, que a comunicação esperada das autoridades judiciárias pode não ficar garantida, salienta Rui do Carmo, magistrado do Ministério Público em Coimbra na área criminal e de família e menores. A preocupação principal, considera o procurador, será garantir que o novo sistema venha a ser tão eficaz como o atual, e isso não é certo. “Antes de se aplicar [esta recomendação] tem que se pensar muito bem, porque há muita gente a trabalhar em regime de voluntariado” e, nesses casos, “a informação pode falhar”.

A recomendação do provedor define os termos em que a comunicação das autoridades judiciárias seria feita no caso dos funcionários públicos, estando esses termos já previstos na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas: “Quando o agente de um crime cujo julgamento seja da competência do tribunal de júri ou do tribunal coletivo seja um trabalhador em funções públicas, a secretaria do tribunal por onde corra o processo, no prazo de 24 horas sobre o trânsito em julgado do despacho de pronúncia ou equivalente, entrega, por termo nos autos, cópia de tal despacho ao Ministério Público, a fim de que este a remeta ao órgão ou serviço em que o trabalhador desempenha funções.” O mesmo tipo de comunicação é feito “quando um trabalhador em funções públicas seja condenado pela prática de crime”.

A jurista Ana Perdigão não vê motivos para se reverter o que já ficou definido na alteração à lei aprovada em 2015 e que exige a apresentação do certificado de registo criminal todos os anos — se o objetivo for o superior interesse da criança e a sua proteção. “Já basta por vezes fugirem-nos situações que infelizmente nos passam ao lado”, diz.

Eficácia em dúvida
Contudo, e relativamente aos outros trabalhadores do sector privado e voluntariado, “caberá ao legislador definir qual é a entidade competente pela concretização da comunicação, entre as várias autoridades judiciárias que terão condições para o fazer”, recomenda José de Faria Costa, confiando que “os deputados da Assembleia da República saberão definir métodos de comunicação que garantam a necessária oportunidade e eficácia” da medida, em caso de esta ser acolhida.
É justamente a eficácia mencionada pelo provedor que suscita dúvidas do procurador Rui do Carmo. “Se a prática do ato da condenação não ocorrer no âmbito das atividades com crianças, pode não chegar ao conhecimento do processo”, explica.

O exemplo dado pelo provedor, no texto da recomendação, é relativo à educação e, nesses casos, há um acesso da entidade empregadora ao registo do trabalhador, o que pressupõe a sua autorização, esclarece. Nos outros casos, havendo um processo judicial, a identidade do empregador consta da informação das autoridades judiciárias, que ficariam, segundo a proposta do provedor, responsáveis por comunicar decisões judiciais relevantes como uma pronúncia ou condenação. Mas no caso dos voluntários, essa informação pode falhar porque as autoridades não têm garantidamente conhecimento de quem são as entidades para quem os voluntários fazem o seu trabalho.

Ana Perdigão, jurista no Instituto de Apoio à Criança (IAC) justifica também as suas reservas relativamente à proposta de José de Faria Costa pela frequência com que muitas atividades com menores de 18 anos são realizadas em regime de voluntariado. O voluntariado pode ser “uma via de acesso fácil às crianças, que muitas vezes estão em condições de grande vulnerabilidade familiar, social e económica”. E insiste: “Muitas vezes, o voluntariado pode funcionar como um corredor fácil de acesso às crianças sob uma veste altruísta.”

Ana Perdigão preferia, por isso, que o sistema mantivesse “a malha de proteção apertada”, continuando a vigorar a norma imposta com a alteração de 2015 à Lei n.º 113 de 2009, à qual acrescentaria a proposta do provedor de ficarem as autoridades judiciárias responsáveis por comunicar às entidades empregadoras a acusação ou condenação de funcionários seus.

A legislação de 2009 já incorporava na lei portuguesa uma diretiva da União Europeia e a Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração e os Abusos Sexuais — Convenção de Lanzarote. Em 2015, foi reforçada, passando a ser obrigatório, todos os anos, para todas as escolas, creches e entidades cujos profissionais trabalham com crianças, solicitarem esse certificado aos seus trabalhadores. A regra aplica-se a trabalhadores do Estado ou do sector privado, e também a voluntários.

Para o procurador da República Rui do Carmo, a preocupação principal será garantir que o novo sistema venha a ser tão eficaz como o atual, designadamente no que diz respeito ao voluntariado. “Para se aplicar [esta recomendação] tem que se pensar muito bem nisso, porque há muita gente a trabalhar em regime de voluntariado” e, nessas situações, “a informação pode falhar”

A jurista do IAC não vê motivos para se reverter o que ficou definido nessa alteração à lei aprovada em 2015 — se o objetivo for o superior interesse da criança e a sua proteção. “A prioridade é o interesse e a proteção da criança”, diz. “Já basta por vezes fugirem-nos situações que infelizmente nos passam ao lado.”
Situações recorrentes
No final de julho, a Polícia Judiciária deteve um homem pela presumível autoria de vários crimes de abuso sexual de crianças e de atos sexuais com adolescentes, entre 2012 e junho de 2016, na zona de Gondomar, que se relacionava com as crianças e os jovens na qualidade de treinador de futsal.

Um mês antes, o Ministério Público deduzira acusação por abusos sexuais de crianças contra oito adultos, na zona de Palmela, que atraíam os rapazes a sua casa, oferecendo atividades lúdicas e disponibilizando-se a tomar conta deles depois de o primeiro contacto ser feito num clube de futebol para jovens na região, onde o principal arguido dava aulas.
E no ano passado, foram vários os casos de funcionários indiciados por este tipo de crimes em escolas, estabelecimentos de atividades com crianças ou lares de jovens: um auxiliar de ação educativa numa escola de Lisboa em Junho; um colaborador de atividades extracurriculares num jardim-de-infância na Amadora (que era familiar da diretora do estabelecimento, que não tinha a situação regularizada e cujo encerramento foi ordenado pelo Ministério da Educação), em Outubro; e, três meses depois, um auxiliar de ação educativa numa escola em Ponta Delgada, que terá abusado de crianças entre os oito e os 12 anos.
ANA DIAS CORDEIRO, 23/08/2016 - 08:36

Nota do transcritor: normalmente, este não é um problema que se coloque no setor protagonizado pela Federação Nacional de Voluntariado em Saúde e suas associadas. Mas existem projetos e programas e voluntariado que envolvem contactos regulares de adultos (voluntários) com pessoas com idades inferiores a 18 anos. Este é mais um assunto (entre outros) que pode parecer não ter nada a ver com o sector do voluntariado no campo da saúde, ou com o nosso setor. Mas tem a ver. Assuntos como este, só nos alertam para um aspeto: estejamos atentos e continuemos a ser o que temos sido: bons gestores de voluntariado e de voluntários. O resto? Bom senso e ética.
Porto, 24 de agosto de 2016
João António Pereira, presidente da Direção da Federação Nacional de Voluntariado em Saúde

terça-feira, 23 de agosto de 2016

FALSO VOLUNTARIADO
EM FESTIVAIS DE VERÃO

Leu-se em alguma comunicação social no último dia 17, uma notícia assim titulada: “Detetado falso voluntariado (…) nos festivais de verão”. E a notícia continua assim: “Os inspetores da (…) Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) detetaram casos de falso voluntariado (…) nos festivais de Verão.”
Em declarações à Renascença, responsável da ACT terá falado em balanço positivo, relativamente à operação realizada e admitiu haverem ainda correções a fazer nos próximos anos. Segundo o mesmo responsável, os festivais com fins lucrativos não podem ter voluntários; e o combate ao falso voluntariado tem sido uma das batalhas da Autoridade para as Condições de Trabalho.
“Desde 2013, a ACT tem aumentado o número de festivais que acompanha (em articulação com os promotores e as autarquias), mas o seu responsável, (…) diz que “o objetivo para 2017 é acompanhar todos”.
Em declarações (…), o mesmo responsável deixa já o aviso: “A legislação portuguesa não admite voluntariado em eventos com fins lucrativos, como são os festivais de música. Por isso, não pode existir e se existir, será punido pela ACT. Por enquanto, tem imperado uma postura pedagógica, mas depois os comportamentos incorretos terão de ser alvo de sanção.”
Se eu não conhecesse alguma da realidade do voluntariado em Portugal, ficaria perplexo com o que foi noticiado. Mas não. Não fico. É porque no voluntariado em Portugal, a realidade da não regulação, do incumprimento, e do uso e abuso da mão de obre gratuita, é por demais dura e que urge trazer à tona; e combater.
Os festivais de verão são a ponta do icebergue do que acontece no voluntariado em Portugal. Aqui é dito que os festivais são lucrativos. E isso acontece mesmo que eles tenham como promotores e responsáveis, entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos. Se os beneficiários (ou clientes) dos festivais e de iniciativas similares, não são cidadãos vinculados a quem promove – associados ou outro tipo de membro, então essas iniciativas são chamadas lucrativas e a sua prática sai do âmbito estritamente interno das entidades, sujeitas, por ventura a obrigações legais e fiscais próprias de entidades privadas com fins lucrativos – empresas.
Não raras vezes, certas práticas acontecem em virtude do desconhecimento da Lei. Embora não fosse esse o objetivo deste blogue, convêm esclarecer aqui e a propósito, que as Entidades privadas não lucrativas (não públicas), têm a possibilidade de realizar por ano, 8 eventos (manifestações ocasionais) com objetivo de angariação de fundos, mas sem caraterísticas lucrativas, desde que atempadamente informem a Autoridade Tributária e Aduaneira, sobre o propósito.

Trata-se do Despacho Normativo N.º 118/85 que em certo ponto diz: “As manifestações ocasionais (…) realizam-se com vista à procura para as entidades em causa, meios financeiros excecionais e revestem as mais variadas formas: bailes, concertos, espetáculos de folclore ou variedades, sessões de cinema ou teatro, espetáculos desportivos, sorteios, etc., e normalmente têm lugar em alturas festivas”. E continua no seu n.º 3: “A isenção referida no número anterior, incidirá, não só sobre o direito de acesso às manifestações e aos espetáculos realizados, mas também sobre o conjunto de receitas recebidas pelas entidades beneficiárias relativamente às diversas operações efetuadas nessa ocasião, como por exemplo, bufete, bar, aluguer de stands, venda de programas, lembranças, receitas publicitárias, etc.”.
Mas voltemos ao voluntariado. Passado o tempo após as declarações da coordenadora do Bloco de Esquerda, sobre o voluntariado, às tantas apetece pensar no que ela disse e perceber que afinal, se ela não tinha toda a razão, tem-na pelo menos em parte. Ela, como muitos outros responsáveis políticos, institucionais públicos e privados, sabem o que por esse país fora, acontece de uso e abuso do voluntariado e dos voluntários.
É no setor privado não lucrativo (ou da economia social ou do terceiro setor) que é onde (para além do setor público) é admitida por Lei, a organização e a prática do voluntariado, que se encontra o maior atropelo à legislação em termos do voluntariado e o maior uso e abuso das pessoas generosas que colaboram, quantas vezes sem as condições mínimas para o efeito, como por exemplo o uso de menores ou outras com problemas do foro psiquiátrico. O voluntariado, não é ATL – Atividades de Tempos Livres, para crianças, adolescentes e jovens, não é CAO – Centro de Atividades Ocupacionais, nem é Clínica de Terapia Ocupacional. No entanto, verdade seja dita, essa situação, se por um lado pode indiciar má prática institucional ou de gestão de recursos humanos, por outro, e isso também é verdade, não raras vezes são os cidadãos que apenas pretendem ajudar (ou ajudar-se) se entregam a práticas institucionais pouco éticas e não de acordo com a Lei, e que as instituições admitem.
Não há notícia, que no setor protagonizado pela Federação Nacional de Voluntariado em Saúde e suas associadas, não há notícia dizia eu, da existência de irregularidades e de mau uso do voluntariado. As Organizações do setor, são suficientemente idóneas, responsáveis e sérias, com anos de história (e estórias) e de boa prática e de bom serviço. Elas funcionam quase exclusivamente na base do voluntariado. É muito rara aquela que tenha colaboradores remunerados.
No setor da Federação Nacional de Voluntariado em Saúde e suas associadas, o voluntariado é organizado e é programado. Os voluntários são criteriosamente selecionados, capacitados, acompanhados, avaliados e certificados. Todas as partes envolvidas, encontram-se perfeitamente esclarecidas sobre o compromisso que é assumido (que cumprem), sobre o papel de cada um e de todos; e… e também muito importante, sobre o dever de servir e ajudar os cidadãos mais debilitados, mais carenciados, seja material seja no âmbito dos afetos, das emoções ou dos sentimentos, com o objetivo último de contribuir para a humanização de serviços e cuidados, numa relação interpessoal de proximidade, em ambiente de Unidade de Saúde e / ou na comunidade. O voluntariado no campo da saúde, atua para que aconteça melhoria do bem-estar e das condições de vida de quem é ajudado, para que a felicidade de todos e de cada cidadão, seja cada vez mais real.
Sobre o facto da ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho ter estado presente em festivais de verão, de ter visto o que viu e de ter afirmado o que afirmou… tenho que constatar o seguinte: afinal, em Portugal, existe quem fiscalize e atue relativamente à conformidade da organização e da prática do voluntariado. Se até aqui, esse aspeto não era assim tão visível, parece que agora é. Se alguém pensava que essa tarefa não existia ou se encontrava acometida ao CNPV – Conselho Nacional para a Promoção do Voluntariado, que fique esclarecido. Quem fiscaliza o setor do voluntariado é a ACT - Autoridade para as Condições de Trabalho. E nós todos, instituições e voluntários do campo da saúde, temos que perceber isso mesmo. Não estamos imunes nem estamos isentos. Em um qualquer dia podemos ser visitados pela ACT. Essas visitas não são privilégio dos festivais de verão.
Fonte: https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6211306885350846826#editor/target=post;postID=9190798826725728859
Porto, 23 de agosto de 2016
João António Pereira, presidente da Direção da Federação Nacional de Voluntariado em Saúde

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Nos caminhos do voluntariado ...

Ser ou não ser voluntário…

em duas Organizações, simultaneamente.

Pode (ou não deve) um cidadão, na qualidade de voluntário, encontrar-se vinculado a mais que uma Entidade Promotora de Voluntariado?
A legislação portuguesa que enquadra o voluntariado é omissa quanto ao assunto. A prática corrente não tem evidenciado situações que hajam suscitado a necessidade de alguma abordagem a propósito, nem se encontra literatura nesse sentido.

Em Portugal, a prática do voluntariado organizado, baseia-se no princípio geral segundo o qual o Estado “reconhece o valor social do voluntariado como expressão do exercício livre de uma cidadania ativa e solidária e promove e garante a sua autonomia e pluralismo.”([i]), e nos sete princípios enquadradores: solidariedade, participação, cooperação, complementaridade, gratuidade, responsabilidade e convergência ([ii]).

Relativamente ao assunto em questão, releva-se o princípio da convergência em que este “determina a harmonização da ação do voluntário com a cultura e objetivos institucionais da entidade promotora.” ([iii]). Ora, se por um lado, para que exista um programa de voluntariado implementado em uma Organização, é basilar que haja sido definida uma política de voluntariado para a Organização, por outro lado, o contributo do voluntariado deve também ter em conta a prossecução dos objetivos estatutários da Organização, sem prejuízo da satisfação das partes envolvidas, mormente os beneficiários da ação voluntária.

Apesar daquilo que pode ser comum às Organizações, em termos, por exemplo, da política global relativa à prática da solidariedade e da ação social, não há dúvida que cada caso é um caso. Ou seja. Cada Organização é única em si mesma. Ela é autónoma. O conceito de cultura organizacional diferente do próprio termo "cultura" em si, possui um sentido mais antropológico, explorando o lado humano de uma organização, a qual possui práticas, símbolos, valores, comportamentos, hábitos, políticas, crenças e princípios interagindo como um todo. A cultura organizacional tem como principal finalidade orientar os membros de uma organização, como se fosse um tipo especial de diretriz ou preceito que irá direcionar o comportamento das pessoas e suas atividades.” ([iv]). Cada Organização tem a sua própria cultura.

Se a prática do voluntariado é uma escolha livre dos cidadãos, também assiste às Organizações a vontade de implementar programas de voluntariado ou não, de definir a sua própria política de voluntariado e de admitir os voluntários com perfis adequados às funções que se disponibilizam, considerando sempre que deve existir adequação da cultura do voluntário com a da Organização.

No que concerne ao voluntariado no campo da saúde, e em sentido mais restrito, ao setor enquadrado pela Federação Nacional de Voluntariado em Saúde, o que se oferece recomendar, é que em qualquer situação relacionada com o assunto objeto desta recomendação, a ação das Organizações deva ser norteada pelo bom senso, considerando sempre o supremo interesse dos destinatários da ação voluntária, sem desvalorização do aspeto da adequação cultural voluntário / Organização e do respeito pelos princípios deontológicos que regem a atividade estatutária da Organização.

Porto, 12 de abril de 2016
João António Pereira, presidente da Direção da Federação Nacional de Voluntariado em Saúde




[i] Lei 71/98, artigo 5.º.
[ii] Idem., artigo 6.º.
[iii] Idem., artigo 6.º, n.º 8.
[iv] http://www.portal-administracao.com/2014/10/cultura-organizacional-conceito-aspectos.html

Pelos caminhos do voluntariado em saúde.........

Pode ser-se voluntário "free-lancer"
no campo da saúde?

O conceito “campo da saúde (health field)”, terá sido formulado pela primeira vez em 1974, por Marc Lalonde, ministro da Saúde e do Bem-estar do Canadá. De acordo com o autor, “o campo da saúde abrange a biologia humana, o meio ambiente, o estilo de vida e a organização da assistência à saúde”, considerando que “saúde é o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade (OMS)”.

Conforme a legislação portuguesa “voluntariado é o conjunto de ações de interesse social e comunitário realizadas de forma desinteressada por pessoas, no âmbito de projetos, programas e outras formas de intervenção ao serviço dos indivíduos, das famílias e da comunidade desenvolvidos sem fins lucrativos (...)”, não sendo abrangidas “(…) as atuações que embora desinteressadas, tenham um carácter isolado e esporádico ou sejam determinadas por razões familiares, de amizade e de boa vizinhança.” (Lei 71/98, artigo 2.º); e “voluntário é o indivíduo que de forma livre, desinteressada e responsável se compromete, de acordo com as suas aptidões próprias e no seu tempo livre, a realizar ações de voluntariado no âmbito de uma organização promotora.” (Lei 71/98, artigo 3.º, n.º 1).

A Lei estabelece de modo muito claro, o que é o voluntariado, quem é voluntário; e quando é que se está em presença de atuações que não são voluntariado, nem quem atua, é voluntário. E o campo da saúde não é imune a isso mesmo. A Lei é geral e inclui todos os setores de atividade passíveis de integrarem ou onde já existe voluntariado organizado.

O facto de se encontrar reconhecido “o valor social do voluntariado como expressão do exercício livre de uma cidadania ativa e solidária (…)” (Lei 71/98, artigo 5.º) e de o Estado o promover e garantir a sua autonomia e pluralismo… isso não dá o direito a nenhum cidadão, nem é razão, para a existência de expressões de pretenso voluntariado que mais não são que atuações muitas vezes determinadas por razões familiares, de amizade e de boa vizinhança, quantas vezes (mais do que se possa imaginar) movidas por intenções e interesses colaterais ao bem-estar da população alvo; e mesmo da cultura das Organizações.

É recorrente no campo da saúde, pelo menos, a tentativa de atuação isolada de cidadãos em seu próprio nome, embora manifestem à partida, as melhores intenções relativamente ao que pretendem realizar em alguma Unidade de Saúde. Ora. Também na saúde, não há nem se pretende que haja, voluntariado não promovido nem enquadrado por alguma Organização, seja ela pública ou privada sem finalidade lucrativa, como são exemplos, as Ligas de Amigos ou as Associações de Voluntariado ou de Voluntários; ou os coletivos de doentes.

O voluntariado em saúde (ou no campo da saúde) é sério, responsável e contribui inequivocamente para o bem-estar dos utentes e para o aumento do nível da qualidade dos serviços e dos cuidados que se prestam nas Unidades de Saúde, evidenciando-se a satisfação de todos os stakeholders. Isso encontra-se por demais reconhecido a todos os níveis do Sistema Nacional de Saúde. O voluntariado enquadrado em Organizações Promotoras e exercido por voluntários devidamente formados e capacitados; e coordenados tecnicamente, é a realidade que existe e que se pretende exista cada vez mais no campo da saúde em Portugal.
São dezenas ou centenas, as Organizações que em todo o país e nomeadamente no Serviço Nacional de Saúde… e milhares, os voluntários, que de modo solidário, gratuito e responsável, e também em convergência, em cooperação e em complementaridade, participam de forma livre, mas organizada, na prestação de serviços e cuidados aos utentes, quer em Unidades de Saúde quer na comunidade, quer mesmo na promoção e na educação para a saúde.

Em jeito de conclusão, mas talvez também de repetição, o voluntariado no campo da saúde em Portugal, no presente e no futuro, é e terá necessariamente que ser, organizado, estruturado, respeitado e respeitador, não só dos interesses, mas também das vontades das pessoas e das Organizações. A prova da mais-valia disso mesmo pode observar-se na existência e no surgimento cada vez maior de iniciativas nesse sentido, iniciativas inovadoras e mais adequadas às novas realidades. É visível a satisfação de muitas entidades, mas sobretudo e por exemplo, das Unidades de Saúde, no acolhimento e na abertura a essas novas realidades organizativas de voluntariado, quando não são elas mesmas a promover o seu surgimento. E não se observa que essa postura e essa prática passe pela aceitação de voluntários desenquadrados de estruturas organizadas ou free-lancers.

Com voluntariado em saúde, organizado, humanizado e humanizador, todos têm (temos) a ganhar. Os utentes, os voluntários e as suas Organizações, assim como as entidades prestadoras dos serviços e dos cuidados de saúde. Assim teremos (e seremos) cidadãos e sociedade, com mais saúde. Logo, mais felizes.
Porto, 17 de agosto de 2016
João António Pereira
Presidente da Direção da Federação Nacional de Voluntariado em Saúde