segunda-feira, 18 de abril de 2016

Pelos caminhos da política................

O VOLUNTARIADO SERÁ UMA TRETA?

Ontem, alguma comunicação social noticiou que a coordenadora do Bloco de Esquerda, Dra. Catarina Martins, teria afirmado também ontem e perante uma plateia repleta de jovens do partido e simpatizantes… teria afirmado… que o “trabalho voluntário é uma treta”. Não conhecemos nem o contexto frásico nem o do desenvolvimento do evento, com a profundidade suficiente que permita fazer algum juízo sobre a afirmação.
Dra. Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda
Não foi afirmado que o voluntariado é uma treta. Foi, isso sim, afirmado que o “trabalho voluntário é uma treta”. Apesar da diferença, parece-nos ser suficientemente grave, não a afirmação em si mesma, mas o impacto que pode vir a ter para o sector do voluntariado. Esse sim, poderá ser de consequências negativas, não tanto para o setor nem para as instituições que o compõem, mas mais para os milhares de cidadãos que generosamente servem e ajudam outros cidadãos, ajuda essa que brota mais de sentimentos como a partilha, o bem-fazer, a entreajuda, o amor; e outros tão ou mais nobres quanto estes.
Se o voluntariado fosse uma treta, que não é; todos nós, a tal multidão que ainda ninguém conseguiu efetivamente contar, seria também ela, uma treta. E se segundo www.infopedia.pt o significado de “treta” pode ser “estratagema, astúcia, palavreado para enganar, lábia, léria ou coisa sem importância”, então definitivamente, o voluntariado não é uma treta nem nada do que possa ser seu significado. Também, nem os voluntários são agentes da treta.
A coordenadora do Bloco de Esquerda terá também afirmado que “se é trabalho, tem que ter contrato. Voluntariado é o que as pessoas podem fazer depois de terem um contrato de 35 horas semanais, quando se querem dedicar a outra atividade". Ora aqui poderá estar o fulcro da questão. É isso mesmo: o voluntariado realiza-se no tempo livre, ou seja, no tempo que a cada cidadão que o pretenda fazer, resta para além do seu desempenho profissional ou similar. Às tantas existem aspetos que deviam ter sido verbalizados e não foram. E se o fossem, para além, de prestarem um bom serviço ao voluntariado e aos voluntários, teriam certamente sido como um “colocar o dedo na ferida”. Naquela ferida que todos (uns mais e outros menos) sabemos (ou achamos que sabemos) que existe. É o facto de em nome de algo que está para além daquilo que é o voluntariado, esta atividade generosa e gratuita, estar a ser usada e abusada, com claro atropelo da legislação aplicável e a inoperância de quem deve atuar no sentido do respeito, não só por aquela, mas também e sobretudo, no sentido do respeito pelas pessoas.
A crise tem sido justificação para muitas atuações que vão no sentido do que se afirmou antes. Mas não é a única. Muitas são as situações (e isto não é novidade para quem está atento e envolvido no setor) nas quais os voluntários são contributo importante e gratuito para a prossecução dos objetivos de Entidades (privadas e públicas), contributo esse que se traduz no desempenho, quantas vezes, de funções que configuram postos de trabalho remunerados. A Lei 71/98 é clara: “o princípio da complementaridade pressupõe que o voluntário não deve substituir os recursos humanos considerados necessários à prossecução das atividades das organizações promotoras, estatutariamente definidas.”. E a Lei não se cumpre.
Mas a procura de mão de obra gratuita ou barata, por parte de entidades empregadoras (mesmo do chamado setor da economia social), não visa apenas a admissão de voluntários para os fins que são pretendidos. Existem também outras situações em que tal se verifica e que se encontram perfeitamente legisladas, “bebendo” aspetos do voluntariado sobre as quais importa estar de atalaia. Felizmente há entidades (mesmo públicas) que não seguem esse figurino legislativo, e parecem encontrar-se no alinhamento da afirmação "(…) até lá, só contratos de trabalho".
Cremos que no campo da saúde em Portugal, o voluntariado que é exercido pelos milhares de voluntários, nomeadamente pelos mais de 12 mil das mais de 50 Organizações integradas na Federação Nacional de Voluntariado em Saúde, cremos dizia-se, que ainda não evidencia aspetos que o configurem como uso de mão de obra gratuita. Cremos. Não temos dados a partir dos quais se possa produzir afirmação nesse sentido. Sabemos sim, da enorme satisfação que manifestam todos os agentes (institucionais e pessoais) envolvidos no voluntariado do campo da saúde, nomeadamente as pessoas.
A Federação Nacional de Voluntariado em Saúde, crê  profundamente no primado e na dignidade da pessoa humana, na humanização dos serviços de saúde, reconhecendo “o valor social do voluntariado como expressão do exercício livre de uma cidadania ativa e solidária” em contexto de cooperação, de democracia e de pluralidade; e confirma que aquele é “o conjunto de ações de interesse social e comunitário, realizadas de forma desinteressada por pessoas, no âmbito de projetos, programas e outras formas de intervenção ao serviço dos indivíduos, das famílias e da comunidade, desenvolvidos sem fins lucrativos por entidades públicas ou privadas - Lei 71/98”.
Que o acontecimento criado com a afirmação da Dra. Catarina Martins, mais que ela mesma (a afirmação), seja um bom serviço ao voluntariado, especialmente para aquele em que o seu exercício implica relação interpessoal de proximidade, ou seja, o que acontece no campo da saúde e na promoção do bem-estar das pessoas.

João António Pereira, presidente da Direção da Federação Nacional de Voluntariado em Saúde

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