quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O que disse o presidente:


SERVIDORES E DADORES
DE AMOR E DE VIDA,
EM CONTEXTO DE CIDADANIA

Se por um lado (segundo a Lei 71/98), o “voluntário é o indivíduo que de forma livre, desinteressada e responsável se compromete, de acordo com as suas aptidões próprias e no seu tempo livre, a realizar ações de voluntariado no âmbito de uma organização promotora.”; por outro lado (segundo a Lei 37/2012), “entende -se por dador de sangue aquele que, depois de aceite clinicamente, doa benevolente e de forma voluntária parte do seu sangue para fins terapêuticos.”. Considerando a mesma Lei que “a dádiva de sangue é um ato cívico, voluntário, benévolo e não remunerado.”.
As duas situações são protagonizadas por pessoas que de livre vontade e motivadas por valores maiores, dão de si ou se dão, na mais completa disponibilidade para ajudar quem mais precisa, seja em atos da vida diária em contexto hospitalar, seja na dádiva benévola de sangue, quantas vezes imprescindível para que haja vida e quiçá, vida em abundância.
A Liga dos Amigos do Hospital de Viana do Castelo, a cidade, o concelho e o hospital, têm o dom e o privilégio de integrar em si mesma, as duas vertentes de voluntariado que afinal, cada uma de per si e as duas em conjunto são o que de mais valioso se tem e se pode / deve dar: a vida e o amor.
Não importa quem carece de ajuda (segundo o Artigo 13.º (Princípio da Igualdade) da Constituição da República Portuguesa. Importa é que quem é ajudado é pessoa e quem dá é pessoa, seja próximo, irmão, ou simplesmente cidadão. “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei (…)” e “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”.
Alguém um dia viajando, encontrou alguém muito mal tratado. Viu, abeirou-se, deu a primeira ajuda, entregou aos cuidados de outrem e partilhou financeiramente nas despesas. Fez o que lhe competia, o que estava ao seu alcance, o que sabia fazer e contribuiu com o que tinha. Sabem quem era? Era o Samaritano. Aquele a quem nos habituamos a chamar de Bom.
Os voluntários e os dadores, são hoje, os samaritanos e as samaritanas do século XXI. Sim, também samaritanas. A samaritana também foi Boa. Deu água do seu poço a quem tinha sede. Também ela ajudou quem não era da sua terra: Jesus de Nazaré. Por isso ela não é só a mulher do poço mas a luminosa. Aquela que deu mas com amor e compaixão, como o Samaritano.
Todos nós, hoje, samaritanos e samaritanas, voluntários e dadores, fazemos o bem sem olhar a quem; e fazemo-lo com a maior motivação e empenho, com o sentido que é nosso dever prover a quem precisa no corpo e na alma, com a certeza de que este nosso contributo para a promoção da saúde e do bem-estar, tem sentido e faz sentido num mundo onde apesar de muitas notícias difundirem ações de ajuda solidaria diversa, nomeadamente agora com a situação dos refugiados, apesar disso, o mundo é cada vez mais individualista e carente da ajuda mútua, da dádiva gratuita, do sentido do outro, do próximo ou do irmão.
Cidadania não deve apenas ser reconhecida como o «direito a ter direitos». Em cidadania, todos somos responsáveis por todos. A cidadania implica que os direitos e deveres estão interligados, e o respeito e cumprimento de ambos contribuem para uma sociedade mais equilibrada, mais justa e mais fraterna. Uma sociedade de pessoas mais saudáveis e mais felizes. Uma sociedade de pessoas que se amam e querem bem umas às outras.
A Liga dos Amigos do Hospital de Viana do Castelo, assim como outras Organizações congéneres; e a Federação Nacional de Voluntariado em Saúde, é, dizia eu, o caminho e a estratégia necessária e que se quer para a prossecução dos objetivos que nos animam, sabendo-se também que “o valor social do voluntariado, é expressão do exercício livre da cidadania ativa e solidária (…) que se traduz numa relação solidária para com o próximo, participando, de forma livre e organizada, na solução dos problemas que afetam a sociedade em geral (Decreto-Lei 289/99)”.
Vida longa à Liga dos Amigos do Hospital de Viana do Castelo. Que ano a ano e sempre, ela continue com a determinação e a força de realizar a ação tão meritória que é a ajuda voluntária no Hospital e a promoção e o enquadramento da dádiva de sangue, tão e cada vez mais necessária.
Em contexto de cidadania, sejamos servidores e dadores de amor e de vida!
Bem-hajam!
João António Pereira
Presidente da Direção da Federação Nacional de Voluntariado em Saúde
Viana do Castelo, 21 de novembro de 2015

sábado, 14 de novembro de 2015

O que disse o presidente:

Cidadania e participação nas USF



A Cidadania em Saúde emerge em 1978 da Declaração de Alma-Ata como “o direito e dever das populações em participar individual e coletivamente no planeamento e na prestação dos cuidados de saúde” (PNS 2012 – 2016).

Questões prévias:
Qual o papel do Voluntariado em saúde?
Existem experiências de voluntariado em saúde, nos cuidados de saúde primários?
Que ligações possíveis a comunidade onde se insere a USF, que intervenção Comunitária?

Introdução
O voluntariado, houve, há e haverá, sempre que existam duas pessoas e pelo menos uma delas se encontre em situação de desfavor, de carência, etc., e essa situação motive que uma atue em favor da outra.
Portanto, e embora antes tenham sido usados outros termos para designar a mesma realidade – zeladores, cooperadores, cuidadores não formais, etc., o voluntariado não é uma coisa nova, uma moda, algo que alguém se lembrou de inventar por exemplo, por razões políticas e partidárias, para resolver o problema da falta de mão-de-obra, ou para reduzir custos de exploração.
Antes de ter a ver com as políticas, com as grandes políticas, o voluntariado tem a ver com as pessoas.
Na sua essência, o voluntariado é serviço de pessoa a pessoa e entre pessoas. Não a Organizações nem entre Organizações.
Muitos passos têm sido dados ao longo da história da humanidade no sentido da assunção do voluntariado como algo verdadeiramente importante e intrínseco à vida das pessoas e das comunidades, e que vale a pena promover e apoiar.
 Em Portugal, um passo importante foi dado com a Lei 71/98 que, segundo ela mesma, “visa promover e garantir a todos os cidadãos a participação solidária em ações de voluntariado e definir as bases do seu enquadramento jurídico”, tendo por base o reconhecimento por parte do Estado do “valor social do voluntariado como expressão do exercício livre de uma cidadania ativa e solidária” promovendo e garantindo a sua autonomia e pluralismo – ou seja, os fins do voluntariado.
Pela Lei, encontra-se definido que em Portugal o voluntariado é:
O conjunto de ações de interesse social e comunitário, realizadas de forma desinteressada por pessoas, no âmbito de projetos, programas e outras formas de intervenção ao serviço dos indivíduos, das famílias e da comunidade, desenvolvidos sem fins lucrativos por entidades públicas ou privadas.”
E que o conceito não abrange “as atuações que, embora desinteressadas, tenham um carácter isolado e esporádico ou sejam determinadas por razões familiares, de amizade e de boa vizinhança.”
Ou seja, o voluntariado não é apenas bem-fazer, não é uma atividade free-lancer ou liberal, mas atuação séria, responsável, comprometida, organizada e enquadrada institucional e tecnicamente.
Não há voluntariado nem voluntários a bel-prazer, nem quando dá jeito ou quando apetece, nem para ganhar o céu.
Antes de avançar parece-me importante referir os sete princípios que em Portugal também norteiam a atividade do voluntariado e que nos podem ajudar a perceber melhor, mais à frente, o papel do voluntariado, mesmo no campo da saúde. São eles:
A solidariedade, a participação, a cooperação, a complementaridade, a gratuidade, a responsabilidade e a convergência.
O princípio da solidariedade traduz-se na responsabilidade de todos os cidadãos pela realização dos fins do voluntariado.
O princípio da participação implica a intervenção das organizações representativas do voluntariado em matérias respeitantes aos domínios em que os voluntários desenvolvem o seu trabalho.
O princípio da cooperação envolve a possibilidade de as organizações promotoras e as organizações representativas do voluntariado estabelecerem relações e programas de ação concertada. 
O princípio da complementaridade pressupõe que o voluntário não deve substituir os recursos humanos considerados necessários à prossecução das atividades das organizações promotoras, estatutariamente definidas.
O princípio da gratuitidade pressupõe que o voluntário não é remunerado, nem pode receber subvenções ou donativos, pelo exercício do seu trabalho voluntário.
O princípio da responsabilidade reconhece que o voluntário é responsável pelo exercício da atividade que se comprometeu realizar, dadas as expectativas criadas aos destinatários do trabalho voluntário.
O princípio da convergência determina a harmonização da ação do voluntário com a cultura e objetivos institucionais da entidade promotora.”

O papel do voluntariado no campo da saúde
Tradicionalmente, quando se falava em voluntariado em saúde, aludia-se ao voluntariado que as senhoras de bata amarela realizam nas Unidades Hospitalares. Era o chamado voluntariado hospitalar.
As coisas mudam. O setor da saúde evolui, redefine-se, etc., e também o voluntariado se vai estabelecendo em outras Unidades de Saúde que já não exclusivamente com internamento.
Apesar de hoje o voluntariado se situar ainda e predominantemente em ambiente hospitalar, a verdade é que já se começa a alargar a outras áreas da saúde e do bem-estar: cuidados de saúde primários, cuidados continuados, cuidados paliativos e cuidados na comunidade, e outros equipamentos onde se prestam cuidados de saúde.
Seja como for, se a finalidade do voluntariado é o exercício ativo da cidadania em contexto de solidariedade, também o grande objetivo do voluntariado no campo da saúde é, para além disso, também a humanização dos serviços e dos cuidados que se prestam aos destinatários, sejam eles doentes ou não.
No campo da saúde, segundo o pensamento da FNVS, o objetivo do voluntariado pode traduzir-se na realização de “tarefas de comunicação, de acolhimento, de companhia, de encaminhamento e de oferta de refeições ligeiras ou pequenos serviços aos utentes e seus familiares, em Equipamentos onde se prestam cuidados de saúde. Também na visita a pessoas que temporariamente ou em situação mais prolongada, se encontram nos Serviços dos referidos Equipamentos, cujo acesso se encontre autorizado, bem como a ajuda na realização de pequenas tarefas da vida diária, no acompanhamento a consultas e a serviços públicos, na realização de algumas compras e similares, promovendo assim a facilitação do acesso aos serviços destinados aos cidadãos, e contribuindo para o bem-estar geral e a inclusão social das pessoas beneficiárias da ajuda voluntária, nos domicílios dos utentes dos Equipamentos e fora daqueles, em situação de pós-alta ou não”.
O que acabo de afirmar deve estar em sintonia com os já mencionados sete princípios do voluntariado preconizados pela Lei 71/98.
E por isso, o voluntariado no campo da saúde deverá ser sempre e nomeadamente:
Um voluntariado sério, organizado, estruturado e vocacionado principalmente para a humanização dos serviços, dos cuidados e das pessoas.
Um voluntariado de pessoas, para pessoas e com as pessoas, sempre de ajuda a pessoas, que contribui para o desenvolvimento pessoal e social.
Um voluntariado que prima pelo respeito pessoal e pelo sigilo de situações e de dados.
Um voluntariado onde se respeitam os direitos dos voluntários e dos beneficiários.
Um voluntariado onde se promove a autonomia dos beneficiários e as obrigações dos voluntários.
Um voluntariado exigente, ao nível da continuada disponibilidade para servir, da entrega e da prestação livre mas responsável.
Um voluntariado que promove e contribui para a qualidade dos serviços e dos cuidados que se prestam nas Unidades de Saúde, e que visa a satisfação de todos os intervenientes, especialmente os utentes.
Desta forma, o voluntariado que se realiza no campo da saúde é sempre uma mais-valia para o setor, para as Organizações e para as pessoas. Logo, também aqui, é promotor de desenvolvimento.

E qual o papel do voluntariado nas USF’?
Para além do que já disse penso que será importante referir que para lá do aspeto da humanização, outra grande marca do voluntariado no campo da saúde, é a da cooperação.
Sim, cooperação. O voluntariado protagonizado pelas Ligas de Amigos e Associações de voluntários, no campo da saúde, embora com respeito por outros tipos de participação dos cidadãos na coisa pública, é o cooperar, o colaborar, o ajudar a zelar, o ajudar a cuidar, sem confusão de papéis nem do que compete a voluntários e profissionais.
Também pode ser o de ajuda à defesa de interesses dos utentes, mas esse não é o seu papel principal.
Nem estou a ver que deva ser promotora da defesa dos interesses dos trabalhadores.
E que papel podem ter, ou que tarefas podem desenvolver, os voluntários enquadrados por Unidades de Saúde Familiar ou por outro tipo de Unidade de Saúde dos Cuidados de Saúde Primários?
Visitação domiciliária de doentes acamados, idosos, famílias em situação de vulnerabilidade. (USF Fernão Ferro Mais - Seixal).
Promover a participação da comunidade na vida da USF, melhorar a humanização dos cuidados de saúde e cooperar com outras entidades. (USF Monte da Caparica - Almada).
Apoio social e humanitário aos utentes da USF, em colaboração com os serviços, visando a melhoria do nível de saúde e do bem-estar dos utentes (USF Serpa Pinto – Porto).
Ajudar na melhoria do nível de saúde dos utentes, apoio humanitário aos utentes carenciados, colaborando na assistência domiciliária e ambulatória, apoiar iniciativas destinadas a doentes crónicos e convalescentes, e promover ações de carácter social, cultural, desportivo e de lazer. (USF Buarcos – Figueira da Foz).
Companhia aos utentes, quer nos serviços de saúde, quer no domicílio, onde poderão ajudar a passar melhor os dias, possibilitando ao apoiado, a exposição das suas histórias de vida, as suas dificuldades, necessidades, angústias e anseios, bem como deslocação à mercearia, aos serviços de água e eletricidade para efetuar os pagamentos destes serviços (ACES Maia).
Identificar necessidades que sendo fruto das circunstâncias concretas do âmbito da Unidade, sejam passíveis de obter resposta através do voluntariado, na medida em que a sua solução radique nos princípios da solidariedade, da confiança, da participação, da entreajuda e cooperação, da complementaridade, da gratuitidade, da responsabilidade e da convergência; Promover atividades de apoio pessoal e institucional, em regime de voluntariado, complementares ao apoio técnico e profissional desenvolvido pela UCC, garantindo a adequação das mesmas em função das necessidades identificadas;
Promover as relações de proximidade, confiança e interconhecimento entre as pessoas e serviços da Unidade, reforçando os laços de solidariedade aí existentes; Contribuir para a melhoria da qualidade do acesso aos cuidados prestados pela UCC, no sentido da eficiência e da eficácia da prestação dos serviços e da satisfação dos utentes. Potenciar o trabalho em parceria, a promoção da cooperação e a rentabilização de recursos; Promover a qualificação e a participação ativa de todos os intervenientes. (UCC Boavista – Porto).
Assim: O voluntariado que está a acontecer nos Cuidados de Saúde Primários, parece não diferir muito do que antes apresentei como objetivo do voluntariado no campo da saúde, e portanto mais de ação social que prestação de cuidados de saúde em si mesmos.
Creio estar mais focalizado na promoção do bem-estar pessoal e social das pessoas, e isso é bom. É mesmo muito bom. É promotor de saúde.
Afinal o conceito saúde da OMS define que aquela é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças.”
Este voluntariado parece caracterizar-me também e muito, pela atuação mais na comunidade que no interior das Unidades de Saúde.
Afinal é também assim, ou pode afirmar-se como sendo voluntariado de proximidade e comunitário, numa relação estreita entre as Unidades de Saúde e as pessoas nos seus ambientes naturais, bem como em articulação ou parceria com outras Organizações da comunidade.

Conclusão
Participar ou não participar nas USF’ por via do voluntariado?
Se por um lado há razões para que os cidadãos participem na coisa pública, nomeadamente no que tem a ver com o exercício da cidadania ativa, por outro lado também deverão haver razões da parte da USF’ para que essa participação seja efetiva.
Primeiro tem que se querer. E querer é poder.
Segundo, para que os cidadãos participem na vida das USF’, isso mesmo tem que ser visto como uma mais-valia para a prestação dos cuidados e dos serviços que se prestam.
Se esta minha visão da arte se pode aplicar às várias formas de participação, por maioria de razão se aplica ao exercício do voluntariado.
A intervenção do voluntariado e dos voluntários, prestação de um serviço e relação interpessoal afetivamente positiva, deve acontecer no mais profundo respeito por regras e papéis, quer pessoais quer das Organizações.
Deve acontecer com agentes devidamente selecionados, capacitados e verdadeiramente disponíveis, por exemplo, para o estabelecimento de relações interpessoais que promovam o bem-estar e a felicidade das pessoas ajudadas, bem como a respetiva inclusão social.
Deve acontecer com enquadramentos adequados e sérios, quer no nível de parcerias, projetos ou programas, quer ao nível da definição de perfis de função, da monitorização de dados, do desempenho avaliado e da acreditação e certificação.
Termino: O voluntariado, para além do aspeto da cidadania, também pode ser parte da resposta a certa ou certas necessidades.
Nunca é a resposta completa, mas pode ser parte dela. O voluntariado é complementar. Não tem o papel principal. E no campo da saúde, isso é por demais exigido e evidente.
É pertinente? A qualidade e a excelência dos serviços e dos cuidados prestados pelas USF’ podem melhorar com o contributo do voluntariado? Então sejamos também nós agentes da ajuda solidária, gratuita e disponível, tão características dos voluntários do campo da saúde. Implementemos serviços de voluntariado nas nossas USF’.
Agora se não for bem assim, tenhamos também a coragem de dizer não, porque isso pode não ser a resposta adequada ou a que efetivamente queremos. E quando não queremos parece que as coisas não marcham assim tão bem.
Segundo o Plano Nacional de Saúde 2012 – 2016, “o utente do século XXI (Coulter A, 2002) é decisor, gestor e coprodutor de saúde, avaliador, agente de mudança, contribuinte e cidadão ativo, cuja voz deve influenciar os decisores em saúde (Carta de OTawa, 1986).”
Muito obrigado. Bem-hajam!

Aveiro, 14 de maio de 2015, João António Pereira, Presidente da Direção da Federação Nacional de Voluntariado em Saúde

Texto disponível em pdf, também em: http://www.associapro.com/docdownload.aspx?file=doc2865.pdf

Serviço Nacional de Saúde:

Estatizar 
ou liberalizar?

Não sendo, por enquanto, possível a plena liberalização dos serviços de saúde, a adopção de um modelo bismarkiano, de partilha de responsabilidade entre os utentes do serviço, os prestadores privados de saúde e o estado, obteria certamente resultados mais satisfatórios para todos.
É voz comum que o Serviço Nacional de Saúde funciona mal ou que, pelo menos, funciona com graves deficiências, impróprias de um Estado Social exigente. Independentemente dos governos, dos ministros e das políticas seguidas, os utentes da saúde pública portuguesa queixam-se de atendimento tardio, das filas de espera, do congestionamento e da negligência das urgências, dos equipamentos antiquados e escassos, da falta de médicos, de enfermeiros e de camas para internamento, dos meses de espera para as consultas e actos cirúrgicos. Por outro lado, os médicos consideram-se mal pagos e alegam ter excesso de trabalho e más condições para o realizar. Os enfermeiros e auxiliares de saúde queixam-se dos baixos salários e da falta de pessoal. Frequentemente, estes profissionais da saúde pública fazem greves, para desespero dos utentes. Quem pode, quem tem condições financeiras para isso, foge do Serviço Nacional de Saúde para a saúde privada, onde o índice de satisfação com os serviços prestados é muito mais elevado. 
E isto num país que gasta uma média anual de 10% do PIB com o financiamento do Serviço Nacional de Saúde, o que representa um valor elevadíssimo para um sistema público em relação ao qual existem tantas reclamações. Em termos relativos, o financiamento do nosso sistema não se encontra muito distante dos países que são considerados referências na prestação de cuidados de saúde, como a Alemanha (11%) e os Países Baixos (12%). A agravar este panorama, o SNS está quase permanentemente em ruptura financeira, segundo os seus responsáveis. Ora, por que é que com contribuições percentualmente muito semelhantes (que devem ser também adequadas proporcionalmente ao número de utilizadores), serviços equivalentes obtêm resultados tão distintos é coisa que merece séria reflexão.
A análise deverá incidir, primeiramente, sobre os vários modelos de saúde pública existentes sobretudo na Europa, que foi pioneira na sua criação. No nosso continente desenvolveram-se, desde o final do século XIX e meados do século XX, duas matrizes principais, que, por sua vez, com uma ou outra diferença, foram adaptadas por outros países europeus e noutros continentes. São eles o modelo Bismark, baptizado com o apelido do chanceler alemão e criado no final do século XIX, e o modelo Beveridge, em homenagem ao economista inglês que influenciou a criação do National Health Service (NHS), em 1948, pelo governo trabalhista de Attlee. O primeiro modelo foi aplicado em países como a Alemanha, a Áustria e, com aprofundamentos interessantes, na Suíça, ao passo que o segundo foi o adoptado no Reino Unido, Espanha, Suécia e Portugal, entre outros países.
A diferença maior entre estes dois sistemas reside no facto de que, sendo embora ambos públicos e universalistas, o primeiro é regulado mas não dirigido nem planificado pelo estado, ao passo que o segundo se encontra integralmente estatizado. Quer isto dizer que o sistema Bismark nasce no estado, é tutelado e regulamentado pelo estado, mas é financiado por um fundo público-privado, cujas receitas advêm essencialmente de seguros privados de saúde que são obrigatórios. Já o sistema Beveridge é quase integralmente financiado pelos impostos dos contribuintes. Por sua vez, a prestação dos cuidados de saúde é assegurada, no primeiro caso, maioritariamente por entidades privadas que os tomadores de seguros escolhem livremente, enquanto no segundo o estado é o proprietário da maioria dos hospitais, contrata médicos, enfermeiros e os demais operadores destes serviços. A Suíça, onde se encontra um dos melhores e mais completos serviços de saúde da Europa e do Mundo, levou mais longe a privatização do sistema. Aqui, o estado intervém exigindo que todos os cidadãos tenham um seguro básico de saúde (três meses após o nascimento ou a radicação no país), mas a oferta destes planos e dos serviços é completamente privada. Os hospitais dispõem, também, cada um deles, de um Serviço Social, que atende os casos das pessoas socialmente mais carenciadas.
O facto relevante é que são os sistemas estatizados, onde se gasta mais dinheiro público, aqueles que provocam maior insatisfação dos utentes. Em Portugal, por exemplo, segundo os dados do Relatório de Primavera de 2011 do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, o tempo médio de espera por uma consulta de especialidade era de 361,5 dias, sendo que as consultas consideradas “muito prioritárias” eram as que sofriam maiores atrasos. No Relatório da Primavera de 2015, lê-se que a situação de 2011 se manteve no essencial e acrescenta-se que “é possível concluir pela dificuldade de acesso dos utentes às primeiras consultas de especialidade, em tempo útil”. Ora, uma pessoa doente que não seja atendida “em tempo útil” poderá estar condenada. Sobre o sistema público de saúde inglês, a matriz originária deste modelo, o tempo médio de espera por um acto cirúrgico era, antes das reformas operadas pelo governo conservador, em 1991, de 18 meses, tendo melhorado depois dessa reforma e da realizada em 1999, já pelo governo trabalhista, para um prazo que pode ir, ainda assim, de 10,2 semanas a 9 meses.
Resulta pois evidente que os sistemas de saúde alicerçados sobre os princípios da economia de mercado e da partilha de responsabilidades entre os utentes e o estado são mais eficazes e apresentam melhores resultados do que os sistemas integralmente estatizados. Alegar que os países mais pobres precisam de maior intervenção pública para garantirem uma saúde de acesso universal não é argumento, porque não só são muito insatisfatórios os resultados, como verdadeiramente só utilizam estes serviços as pessoas que não têm recursos que lhes permitam aceder à saúde privada, apesar do imenso dinheiro nele gasto pelos contribuintes. Os vícios da estatização da saúde não residem somente no desperdício de recursos, cuja gestão não obedece a uma racionalidade empresarial mas política, nem na excessiva burocratização. A falta de concorrência e o seu financiamento através de recursos do orçamento do estado desresponsabilizam todos os agentes e provocam a quebra de investimento, a baixa de salários e a fuga de pessoal tecnicamente competente para a iniciativa privada.
Não sendo, por enquanto, possível a plena liberalização dos serviços de saúde, a adopção de um modelo bismarkiano, de partilha de responsabilidade entre os utentes do serviço, os prestadores privados de saúde e o estado, obteria certamente resultados mais satisfatórios para todos. O modelo suíço é, por enquanto, num país tradicionalmente tão estatista como Portugal, uma utopia no médio prazo.
Por Rui de Albuquerque  / 14/11/2015 - 05:35 / Professor da Universidade Lusófona

In.: http://www.publico.pt/sociedade/noticia/servico-nacional-de-saude-estatizar-ou-liberalizar-1714348?page=-1

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Pelos caminhos do voluntariado...

Ser voluntário é amar o próximo

Gratificante para quem o exerce, o trabalho como voluntario é muito valioso para aqueles que beneficiam dele. Na generalidade o voluntariado é prestado sobretudo às pessoas mais carentes da sociedade e isso é uma obra de misericórdia

Devo confessar que me apercebi cedo do que é o trabalho voluntário em prol do próximo. Isso aconteceu na década de 60, era eu muito jovem. O relacionamento que encetei com uma irmã de uma congregação religiosa, que visitava regularmente os doentes oncológicos de
um hospital da capital, permitiu-me compreender não só o sacrifício de quem o fazia, como a bênção que era para as pessoas que dele usufruíam.
Ao longo da vida acompanhei outras pessoas e instituições que tinham no trabalho voluntário uma forma de conviver e ajudar os outros, o que sempre me sensibilizou. É preciso muita coragem para prescindir por vezes dos interesses ou comodidades pessoais e doar-se a uma causa de necessidade alheia. Apesar disso, verificamos que o número de voluntários é cada vez maior em muitas áreas, não apenas no nosso país, como até para ajudar e trabalhar noutros países.
O voluntariado é o conjunto de ações de interesse social e comunitário em que toda a atividade desempenhada reverte a favor do serviço e do trabalho. É executado sem qualquer remuneração ou lucro. Hoje não são apenas os institutos religiosos a exercerem e cativarem para essa missão, mas também muitas organizações não-governamentais (ONG) que possuem um quadro extenso de pessoas que abraçaram as mais diversas áreas de apoio social à sociedade mais carenciada.
O trabalho voluntário é exercido de forma séria, muitas vezes necessita de especialização e profissionalismo, já que são realizados em locais como hospitais, clínicas e até em escolas, no estrangeiro por exemplo. Ora para este tipo de trabalho são precisos profissionais formados em diversas áreas, mas também de pessoas que possuam vontade de participar deste tipo de atividade.
Lembrando um pouco a história, vamos mencionar um dos pioneiros que surgiu na Igreja Católica, e que ainda hoje é recordado na ação dos seus seguidores (as): Vicente de Paulo, mais tarde levado às honras dos altares, e que nos finais do séc. XVI organizou uma entidade integrada por mulheres pertencentes a famílias aristocráticas, dedicadas a visitar os doentes nos hospitais e os pobres em suas casas, para levar-lhes ajuda.
As Damas de Caridade foi uma organização que não prosperou, de acordo com Kisnerman (1983) por causa do preconceito vigente na época, segundo o qual as mulheres deveriam ocupar-se somente da casa e dos filhos. Exatamente por isso, Vicente de Paulo passou a recrutar jovens camponesas, as quais chamou, inicialmente de Servas dos Pobres, passando depois a Filhas de Caridade e, finalmente, a Irmãs de Caridade, denominação que perdura até aos dias de hoje. Atualmente ainda há diversas obras vicentinas que continuam a aglutinar muitos voluntários e a trabalhar na prestação de apoio aos mais carenciados.
A prestação do voluntariado é tão importante que as Nações Unidas (ONU) não só criaram o Dia Mundial do Voluntário em Dezembro de 1985, há 30 anos, como designaram o ano de 2001 como o Ano Internacional do Voluntariado. A legislação portuguesa define voluntariado como «o conjunto de ações de interesse social e comunitário, realizadas de forma desinteressada por pessoas, no âmbito de projetos, programas e outras formas de intervenção ao serviço dos indivíduos, das famílias e da comunidade, desenvolvidos sem fins lucrativos por entidades públicas ou privadas».
Mas mais importante do que aquilo que a lei refere é o verdadeiro espírito de entreajuda que cada voluntário (a) emana perante as comunidades e pessoas em dificuldade. Isso sim é de enaltecer e louvar, pois para além de ser uma demonstração de humanismo sublime, insere-se no verdadeiro espírito cristão de amor ao próximo.

Eduardo Santos / http://www.fatimamissionaria.pt/artigo.php?cod=33257&sec=7