sábado, 5 de novembro de 2016

O VOLUNTARIADO

PODE SER MÃO DE OBRA GRATUITA!


Há dias, em razão do desempenho do cargo, participei como convidado numa iniciativa do âmbito da economia social e das coletividades. Aí foi feita alguma analogia entre a atividade organizativa, do exercício dos poderes; e da gestão ou de administração das pessoas coletivas de direito privado sem finalidade lucrativa, nomeadamente as na forma de associação, com as entidades do poder local, freguesias e municípios, pessoas coletivas de direito público; sendo mesmo realçada a importância da participação nos Órgãos Sociais e na vida das coletividades, que por isso mesmo, promove e possibilita uma das melhores aprendizagens ao nível da participação cívica dos cidadãos na vida das Organizações da Sociedade Civil, resultando daí, o surgimento de potenciais e bons candidatos aos Órgãos do Poder Local. Até aqui tudo bem. Mas eis senão quando hoje…

Em www.zap.aeiou.pt dou de caras com a peça jornalística intitulada “Há 38 mil desempregados a trabalhar por 80 euros por mês, nas autarquias”. E diz mais: “As câmaras municipais tiveram ao seu serviço cerca de 38 mil desempregados, colocados pelos Centros de Emprego, a trabalhar por uma bolsa mensal de pouco mais de 80 euros, ao longo de 2015. As autarquias assumem que são funcionários essenciais e os sindicatos falam em “escravatura dos tempos modernos”. E adianta também que “a situação foi denunciada pelo Bloco de Esquerda (BE) e é reportada pela TSF, que avança que, durante 2015, o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) colocou 38 mil pessoas a trabalhar nas autarquias através dos chamados Contratos Emprego-Inserção (CEI).”

Outra vez o Bloco de Esquerda. Ou outra vez, se anda a falar de emprego, de desemprego e do uso de mão de obra barata ou gratuita? Então é assim: os números que são avançados e por quem os publicitou, são dados como oficiais e como coincidentes com o número de desempregados (38 mil) que os Centros de Emprego colocaram em 2015, ao abrigo dos chamados Contratos de Emprego – Inserção (CEI’), mas não apenas nas Autarquias Locais. Nestas, terão sido colocados 12 mil; mas nas IPSS’ – Instituições Particulares de Solidariedade Social, foram muito mais. Terão sido colocados 18 mil. Se se fica a saber que no referido ano, os desempregados colocados ao abrigo dos CEI terão representado “mais de um terço dos 110 mil funcionários que trabalham de forma tradicional” para as autarquias, já o mesmo não se pode dizer relativamente às IPSS' porque não existe informação a esse respeito.

Estaremos perante uma situação que não se pretende, e que tem alguma particularidade que interessa apontar. Ou seja. As Organizações representativas dos trabalhadores alegam que os CEI’ “são usados de forma abusiva”. A Provedoria de Justiça tem vindo a acusar o “Estado de abusar do trabalho de desempregados (…). Continua a receber queixas (…) e encontra-se a acompanhar o assunto”, tendo já mesmo aberto procedimentos de queixa. Por outro lado, para as autarquias, apesar de admitirem “que os números revelados (…) são altamente significativos", (não se podendo portanto, esconder o sol com a peneira) também admitem que “estas pessoas fazem falta às autarquias e, se tivessem sucesso nas funções, devia ser possível contratá-las findo o CEI”, já que, também reconhecem, que os “CEI foram criados com o objetivo de minorar a subida exponencial do desemprego e manter as pessoas ativas mesmo sem um trabalho formal.”. Mas… o STAL – Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local vem dizer “que estes desempregados tapam "necessidades permanentes" e trabalham em inúmeros tipos de funções nas autarquias.”, antes desempenhadas pelos chamados “trabalhadores tradicionais”. E que se passa no que respeita aos CEI’ nas IPSS’? Mais uma vez nada sabemos. Mas que pode ser (ou vir a ser) terreno fácil para o uso (mau uso) dos desempregados em situação de CEI, lá isso pode. Não estamos imunes a isso.

E agora pergunto: mas porquê esta abordagem acerca dos CEI’? Se bem se recordam, também da parte do BE, a sua coordenadora afirmou mais ou menos em abril deste ano, que “o trabalho voluntário é uma treta”, altura em que eu, também neste local, escrevi que a Dra. Catarina Martins não havia afirmado que o “voluntariado é uma treta”, e mostrei preocupação quanto ao impacto da afirmação (a efetivamente feita) para o voluntariado. Pois é. É que as coisas podem andar todas ligadas e volta e meia, sejam eles desempregados, sejam CEI’ ou ASU’ (Atividades Socialmente Úteis), sejam mesmo os voluntários dos muitos e de qualquer setor, podem tornar-se em presas fáceis no que toca a usar mão de obra a baixo custo ou gratuita. E quando falo gratuita estou mesmo a referir-me aos voluntários. E mesmo aos voluntários do campo da saúde? Claro que sim.

E é verdade (ou pode ser verdade). Em todas as situações que antes referi, os voluntários, podem ser mesmo a presa mais fácil quer por razões financeiras quer, talvez mais vezes, por razões sobretudo ligadas ao desejo de fazer o bem e não se dar conta que esse bem (ou essa função) é típica do “trabalhador tradicional” e não e de qualquer voluntário, embora a hipótese de confusão de papéis seja mais frequente ao nível das funções de operacionalidade (assistentes operacionais) ou auxiliares.

Mas em todas as situações. Seja nas Autarquias, seja nas IPSS’, seja em outras Organizações da Economia Social… todos nós voluntários, coordenadores, técnicos e dirigentes, devemos (temos que) estar atentos ao que se passa, por razões de respeito por todos e por cada colaborador, na sua especificidade e na sua diferença, mas, e muito mais, pelo respeito que a todos obriga que se tenha pela pessoa, quer seja em contexto organizacional quer não. Se queremos humanizar temos que ser humanos. Temos que ter posturas e práticas que dignifiquem, não apenas as Organizações, mas, e acima de tudo, as pessoas, voluntários e beneficiários.

E isso passa muito e também, pelo cumprimento da legislação sobre o voluntariado que é muito clara quando se refere ao princípio da complementaridade e diz “o voluntário não deve substituir os recursos humanos considerados necessários à prossecução das atividades das organizações promotoras, estatutariamente definidas.”.  Ou seja, o voluntário não executa o que executa o “trabalhador tradicional”. Está para além daquele. Contrariamente ao que canta a Adelaide Ferreira, o voluntário, (na maioria das situações) não tem o papel principal. Complementa o trabalho daquele. Aporta algo mais (o que não é mensurável) ao trabalho daquele e com isso faz com que o resultado final seja superior ao que seria se não existisse o contributo do voluntário.
Afinal a Lei é tão clara e o seu cumprimento é tão fácil. Basta a firme vontade (boa vontade) e a implementação de boas políticas e bons programas de voluntariado? Não. Ou melhor: sim, isso é importante. Mas não basta.

É também necessário que cada vez mais seja exercida verdadeira vigilância (para não dizer fiscalização) sobre a atividade do voluntariado. Até a algum tempo não se sabia a quem competia esse papel. Mas hoje sabe-se. A fiscalização do cumprimento da legislação do voluntariado é atribuição da ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho. Que cumpramos e não tenhamos receio de ser fiscalizados. Mesmo no campo da saúde.

Porto, 5 de novembro de 2016, João António Pereira, presidente (em exercício) da Direção da Federação Nacional de Voluntariado em Saúde


Fonte: http://zap.aeiou.pt/ha-38-mil-desempregados-a-trabalhar-por-80-euros-por-mes-nas-autarquias-136671

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