O que é proibido
dizer a um doente zangado ?
"Acalme-se !"
Má
comunicação com doentes em situações complicadas cria dificuldades nas unidades
de saúde. Nova sociedade quer resolver o problema melhorando o ensino de
médicos e enfermeiros.
O que é que não se deve dizer a um doente
zangado? “Acalme-se”, exemplifica Irene Carvalho, a presidente da recém-criada
Sociedade Portuguesa de Comunicação Clínica em Cuidados de Saúde (SP3CS), que
destaca a importância da empatia e da humanização na medicina e em todas as
profissões que implicam contacto com doentes.
Socorrendo-se da experiência e de estudos
feitos nos Estados Unidos — onde estas questões merecem grande atenção —, Irene
Carvalho sustenta que as queixas por falhas
na comunicação médico-paciente são muito mais frequentes do que as
reclamações devidas a incompetência técnica. “A maior parte das queixas têm que
ver com problemas de comunicação”, corrobora o enfermeiro Carlos Sequeira, que
acaba de lançar o livro Comunicação clínica e relação de ajuda.
Saber interagir com doentes em situações
complicadas e saber como dar más notícias não implica apenas ter intuição
e bom senso. Há “competências básicas” que devem ser ensinadas aos
profissionais de saúde, atualmente
muito pressionados pela falta de tempo, defende Irene Carvalho que criou a
nova sociedade científica em conjunto com outros profissionais (médicos,
enfermeiros, farmacêuticos, terapeutas, entre outros).
Efeitos nefastos da modernização da medicina
Com a tecnicização e a informatização do
conhecimento e toda a especialização verificada nos
últimos anos, os
profissionais de saúde — e os médicos sobretudo — estão muito focados na cura,
nos órgãos, nos mecanismos fisiológicos, sublinha a psicóloga. Ora se esta
estratégia foi ótima para o desenvolvimento da medicina, acabou por ter alguns
efeitos secundários nefastos na relação com os pacientes, considera.
Se os doentes reclamam por causa de falhas
de comunicação, os profissionais de saúde também se queixam, sobretudo de ter
cada vez menos tempo, de tal forma estão pressionados para usarem computadores
e prestarem atenção aos indicadores. Em Espanha, recorda Irene Carvalho, “os
médicos de família têm sete minutos para estar com os doentes”. Em Portugal,
este limite não existe, mas já houve várias tentativas para impor tempos
máximos, lembra o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), José Manuel Silva.
Também não será necessário tanto tempo
assim. Numa consulta normal, 25 minutos serão suficientes, acredita a
psicóloga. Como? É possível gerir de forma mais adequada o tempo disponível,
evitando questões de última hora — que contribuem para o arrastar das consultas
—, ou usando técnicas para controlar o discurso dos doentes. Um exemplo:
quando o doente está sistematicamente a repetir as mesmas coisas é porque
entende que o profissional não está a ouvir; neste caso, a técnica é ir
resumindo aquilo que ele vai dizendo.
“Os médicos têm consciência da importância
da comunicação, o consentimento informado trabalha esta questão, mas é bom que
haja um fórum em que tudo isto se discuta. Por vezes o cansaço faz com que
sejam menos felizes na comunicação com os doentes. Mas a verdade é que sem
tempo não há uma boa comunicação”, avisa o bastonário.
Em 2014, o Tribunal de Contas (TdC)
desencadeou grande polémica ao calcular que, se se assumisse como “razoável” o
tempo de 15 minutos para o atendimento, seria possível fazer mais 10,7 milhões
de consultas por ano, e ficaria resolvido o problema da falta de médicos de
família em Portugal . “Foi um momento menos feliz do TdC, reduziu os doentes a
matemática”, lamenta José Manuel Silva.
Em Portugal, não se sabe o que se passa nos
consultórios. Mas, de novo nos EUA, um estudo permitiu perceber que os médicos,
em média, tendem a deixar falar os doentes só 18 a 23 segundos, nas declarações
iniciais. Resultado: 54% das preocupações ficam por abordar e o problema é de
tal forma sensível que os médicos norte-americanos alvo de mais reclamações são
obrigados a fazer cursos de comunicação, sintetiza Irene Carvalho. “É toda
outra mentalidade".
Médicos nem se identificam
Frisando que, em Portugal, “a informação
fornecida ao doente é minimalista e muitas vezes os profissionais nem sequer se
identificam”, Carlos Sequeira insiste que investir na comunicação clínica nem
sequer implica custos acrescidos. “Não são necessárias máquinas, mas apenas
sensibilidade, disponibilidade e recursos humanos”, elenca. Com a “crescente
desumanização” nos serviços de saúde, os doentes ainda são muitas vezes menosprezados
e eles próprios, por razões culturais e de falta de literacia, não reclamam.
“Muitas pessoas ficam doentes por causa das palavras ou da falta delas”,
enfatiza o enfermeiro, para quem a “empatia e a assertividade” são fulcrais
neste processo.
Mas em Portugal pouco se sabe sobre estas
matérias. Conhecidos são os números de milhares de reclamações que em cada ano
são apresentadas por doentes e seus familiares. Os motivos aparecem, todavia,
agrupados em subtipos que não permitem perceber o peso e a dimensão dos
problemas de comunicação.
Por isso é que nos últimos anos as escolas
que ministram cursos de saúde, sobretudo as faculdades de medicina, passaram a
incorporar disciplinas de comunicação clínica, como acontece na Faculdade de
Medicina da Universidade do Porto, onde Irene Carvalho é professora, e em
várias outras faculdades do país. Uma das tarefas prioritárias da nova
sociedade é justamente fazer um levantamento do que se ensina nas escolas com
cursos de saúde e criar um currículo básico que todos possam integrar.
O que se ensina nestas disciplinas? Por
exemplo, a entrevistar os doentes, porque aprender a começar e a encerrar a
conversa é fulcral. São feitas simulações com alunos, com atores contratados, e
mais tarde com doentes, em duas salas contíguas designadas como “laboratório”.
Os professores observam para depois corrigirem o que está a ser feito de errado
durante a entrevista.
https://www.publico.pt/sociedade/noticia/o-que-e-que-nao-se-dev-dizer-a-um-doente-zangado-acalmese-1750121?page=-1
E nós, voluntários do campo da saúde, que dizemos aos doentes quando os encontramos zangados? Ou doridos. Ou angustiados. Que lhes dizemos nós? Ou apenas estamos - em presença efetiva e total, claro. Face ao texto que aqui se reproduz, convido-vos a que façais o exercício da reflexão sobre o tema. Também nós, voluntários, somos importantes para os doentes. Somos parte da comunidade da Unidade de Saúde. Somos aqueles e aquelas que temos todo o tempo do mundo, simplesmente para estar. Se conseguirmos fazer isto, bem feito, creio que já estaremos a prestar uma excelente ajuda à pessoa que sofre, ao nosso irmão ou à nossa irmã, afinal cidadãos como nós que apenas se encontram em situação de fragilidade quase sempre total.
Porto, 6 de novembro de 2016, João António Pereira, presidente em exercício, da Direção da Federação Nacional de Voluntariado em Saúde.
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