A CERTIFICAÇÃO DE VOLUNTÁRIOS.
QUE CERTIFICAMOS?
A 16
deste mês, certo órgão da comunicação social ([i])
publicou uma peça intitulada “Valongo tem
mais 16 voluntários certificados”. E o texto continuava assim: “16
formandos que concluíram mais uma formação no âmbito do banco local de
voluntariado, receberam, esta semana, os seus certificados. “Após 16 horas de formação, as voluntárias e
voluntários poderão colaborar em vários projetos do município, (…) explica a
Câmara Municipal de Valongo. A “Formação Geral para o Voluntariado” tem como
principal objetivo preparar os voluntários para enfrentar a realidade social,
dotando-os de competências que serão uma mais-valia no exercício das funções,
uma vez que “o voluntariado não se improvisa, aprende-se”. Durante a formação foram abordados os temas:
solidariedade, participação e cidadania global, motivações para o voluntariado,
riscos da ação voluntária, responsabilidade dos voluntários e das instituições,
relacionamento interpessoal, relação de ajuda no voluntariado, trabalho em
equipa e gestão de conflitos.”
Se por um
lado, é direito do voluntário “ter acesso
a programas de formação inicial e contínua, tendo em vista o aperfeiçoamento do
seu trabalho voluntário (Lei 71/98); por outro lado, uma das atribuições
dos Bancos Locais de Voluntariado, é precisamente promover Formação Inicial
para os Voluntários. Até aqui não tenho dúvidas, em virtude de conhecimento
adquirido em prática e reflexão no âmbito do voluntariado, nomeadamente no que
se realiza no campo da saúde.
As minhas
dúvidas situam-se ao nível da certificação. Quando na peça se afirma que os “formandos que concluíram mais uma formação (…),
receberam, (…) os seus certificados.”, está a falar-se de quê? De que
certificação se está a falar? De frequência de uma ação? De participação em uma
atividade? De aquisição de competências? De aprendizagens em voluntariado? Os
formandos ficaram mesmo dotados de competências para o exercício do
voluntariado? Ou já eram dotados das mesmas, antes de participarem na ação de
formação? Desculpem-me todas e todos aqueles que de modo responsável e sério se
encontram envolvidos na formação e capacitação dos agentes do voluntariado. Dezasseis
horas de formação inicial, não dota ninguém para o exercício do voluntariado,
tanto mais quando se trata de voluntariado do âmbito da saúde, do social e da
relação próxima com as pessoas, nomeadamente em equipamentos de respostas
sociais ou mesmo em domicílios e na comunidade.
A
formação inicial para voluntários, deve ter como finalidade a transmissão de
informação sobre o enquadramento dos voluntários na ação e na (nas) instituição
(instituições); e como objetivos: proporcionar aos formandos, o conhecimento da
missão, da história, cultura, organização e áreas de intervenção da(s) Entidade(s)
Promotora(s) do(s) Programa(s) de Voluntariado / de Enquadramento dos
Voluntários; o conhecimento dos papéis e das funções a serem exercidas pelos
voluntários; e conceitos base sobre voluntariado, direitos e deveres das partes
envolvidas, bem como a atitude e a ética do voluntário.
A
atividade de voluntariado é de um nível e nobreza tal; e as pessoas, todas
elas, são tão importantes e tão dotadas de dignidade, que a relação de ajuda
para com elas, seja em que setor for, mas sobretudo no da saúde e no social… que
a atividade de voluntariado com esse grau de proximidade (e quiçá, de
cumplicidade) só pode e deve ser protagonizada com voluntários devidamente
formados e capacitados, em termos pessoais, operacionais, relacionais e outros
que se exijam em cada situação concreta.
A
capacitação dos agentes de voluntariado deve ser um processo contínuo que se
inicia logo no recrutamento e na seleção dos candidatos, e que não termina aí.
O “vinho novo deve ser colocado em odres novos e não em odres velhos” – quem quiser
que entenda! Logo à partida, quem provavelmente poderá vir a ser selecionado
para a atividade de voluntariado, tem que logo aí, revelar aspetos básicos do
perfil adequado à atividade e às funções, e só os que isso evidenciarem, deverão
então continuar em direção às fases seguintes de processo, onde se inclui a
frequência de ações de formação inicial.
Também e
muito, ao nível da coordenação, da direção técnica e mesmo institucional, o
voluntariado, os voluntários e a população alvo, requerem, ou melhor…. exigem,
as melhores, as mais sérias, as mais capazes e as mais responsáveis, posturas, procedimentos,
comportamentos e medidas, que evidenciem verdadeiramente que o voluntariado é contributo inestimável na promoção do
desenvolvimento pessoal, social e comunitário. E que também é fomento à
participação direta, ao pensamento crítico e ao interesse ativo dos cidadãos
motivados para ações de desenvolvimento, trabalhando na sensibilização para os
benefícios decorrentes da cooperação, não apenas para os beneficiários diretos
mas para todos os cidadãos, e promovendo sentimento comum de responsabilidade,
de solidariedade e de oportunidade num mundo em mutação e cada vez mais
interdependente e competitivo.
O valor social do voluntariado está no facto de ele
ser “expressão do exercício livre de uma
cidadania ativa e solidária” em contexto de cooperação, de democracia e de
pluralidade, confirmando que aquele é “o
conjunto de ações de interesse social e comunitário, realizadas de forma
desinteressada por pessoas, no âmbito de projetos, programas e outras formas de
intervenção ao serviço dos indivíduos, das famílias e da comunidade desenvolvidos
sem fins lucrativos (…)” e que no campo da saúde se pode traduzir na
realização de “tarefas de comunicação, de
acolhimento, de companhia, de encaminhamento e de oferta de refeições ligeiras
ou pequenos serviços aos utentes e seus familiares, em Equipamentos onde se
prestam cuidados de saúde. Também na visita a pessoas que temporariamente ou em
situação mais prolongada, se encontram nos Serviços dos referidos Equipamentos,
cujo acesso se encontre autorizado, bem como a ajuda na realização de pequenas
tarefas da vida diária, no acompanhamento a consultas e a serviços públicos, na
realização de algumas compras e similares, promovendo assim a facilitação do
acesso aos serviços destinados aos cidadãos, e contribuindo para o bem-estar
geral e a inclusão social das pessoas beneficiárias da ajuda voluntária, nos
domicílios dos utentes dos Equipamentos e fora daqueles, em situação de
pós-alta ou não”.
Em Portugal, e ao mais alto nível, o voluntariado está
assumido de tal forma que implica a existência de legislação própria que o
enquadra juridicamente e que define os conceitos básicos bem como os princípios
da “solidariedade, da participação, da
cooperação, da complementaridade, da gratuitidade, da responsabilidade e da
convergência” que lhes são subjacentes.
A prática do voluntariado é um modo possível para a
vivência ativa da cidadania. No campo da saúde, aquela tem papel insubstituível
na humanização das pessoas e dos Equipamentos, complementarmente à prestação de
serviços e cuidados por estes. Só de forma organizada, estruturada e
capacitada, se atingem os objetivos do voluntariado, com eficiência, eficácia e
satisfação das partes envolvidas.
Que queremos certificar em ações de Formação inicial?
Apenas a participação nas ações ou competências adquiridas? Será opção correta,
ficar-se apenas pela participação? Provavelmente. Senão vejamos:
“No que à aprendizagem e ao desenvolvimento de
competências diz respeito, as práticas de voluntariado oferecem potencialmente
à pessoa várias formas de refletir e sistematizar as experiências. A
experiência é tida como “(...) um elemento-chave no processo de aprendizagem,
constituindo a base para a reflexão, problematização e formação de conceitos”
(Pires, 2007).
Importa, portanto, promover a “produção de
conhecimentos e aprendizagens significativas que possibilitem a cada um
apropriar-se dos sentidos das experiências, compreendê-las teoricamente e
orientá-las em direção ao futuro com uma perspetiva transformadora” (adaptado
de Oscar Jara).
Quando estivermos aí, sim. Falemos de certificação de
aprendizagens ou de competências adquiridas. O reconhecimento das aprendizagens
é um valor de dignidade e de cidadania. Valoriza as pessoas, as organizações e
o voluntariado, pela coesão social que promove, trazendo relevância social a
outras aprendizagens, competências, percursos e modos de vida e de trabalho.
Porto, 19 de junho de 2016
João António Pereira, presidente da Direção da Federação
Nacional de Voluntariado em Saúde
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