domingo, 19 de junho de 2016

Pelos caminhos do voluntariado...

A CERTIFICAÇÃO DE VOLUNTÁRIOS.
QUE CERTIFICAMOS?

A 16 deste mês, certo órgão da comunicação social ([i]) publicou uma peça intitulada “Valongo tem mais 16 voluntários certificados”. E o texto continuava assim: “16 formandos que concluíram mais uma formação no âmbito do banco local de voluntariado, receberam, esta semana, os seus certificados.Após 16 horas de formação, as voluntárias e voluntários poderão colaborar em vários projetos do município, (…) explica a Câmara Municipal de Valongo. A “Formação Geral para o Voluntariado” tem como principal objetivo preparar os voluntários para enfrentar a realidade social, dotando-os de competências que serão uma mais-valia no exercício das funções, uma vez que “o voluntariado não se improvisa, aprende-se”. Durante a formação foram abordados os temas: solidariedade, participação e cidadania global, motivações para o voluntariado, riscos da ação voluntária, responsabilidade dos voluntários e das instituições, relacionamento interpessoal, relação de ajuda no voluntariado, trabalho em equipa e gestão de conflitos.”
Se por um lado, é direito do voluntário “ter acesso a programas de formação inicial e contínua, tendo em vista o aperfeiçoamento do seu trabalho voluntário (Lei 71/98); por outro lado, uma das atribuições dos Bancos Locais de Voluntariado, é precisamente promover Formação Inicial para os Voluntários. Até aqui não tenho dúvidas, em virtude de conhecimento adquirido em prática e reflexão no âmbito do voluntariado, nomeadamente no que se realiza no campo da saúde.
As minhas dúvidas situam-se ao nível da certificação. Quando na peça se afirma que os “formandos que concluíram mais uma formação (…), receberam, (…) os seus certificados.”, está a falar-se de quê? De que certificação se está a falar? De frequência de uma ação? De participação em uma atividade? De aquisição de competências? De aprendizagens em voluntariado? Os formandos ficaram mesmo dotados de competências para o exercício do voluntariado? Ou já eram dotados das mesmas, antes de participarem na ação de formação? Desculpem-me todas e todos aqueles que de modo responsável e sério se encontram envolvidos na formação e capacitação dos agentes do voluntariado. Dezasseis horas de formação inicial, não dota ninguém para o exercício do voluntariado, tanto mais quando se trata de voluntariado do âmbito da saúde, do social e da relação próxima com as pessoas, nomeadamente em equipamentos de respostas sociais ou mesmo em domicílios e na comunidade.
A formação inicial para voluntários, deve ter como finalidade a transmissão de informação sobre o enquadramento dos voluntários na ação e na (nas) instituição (instituições); e como objetivos: proporcionar aos formandos, o conhecimento da missão, da história, cultura, organização e áreas de intervenção da(s) Entidade(s) Promotora(s) do(s) Programa(s) de Voluntariado / de Enquadramento dos Voluntários; o conhecimento dos papéis e das funções a serem exercidas pelos voluntários; e conceitos base sobre voluntariado, direitos e deveres das partes envolvidas, bem como a atitude e a ética do voluntário.
A atividade de voluntariado é de um nível e nobreza tal; e as pessoas, todas elas, são tão importantes e tão dotadas de dignidade, que a relação de ajuda para com elas, seja em que setor for, mas sobretudo no da saúde e no social… que a atividade de voluntariado com esse grau de proximidade (e quiçá, de cumplicidade) só pode e deve ser protagonizada com voluntários devidamente formados e capacitados, em termos pessoais, operacionais, relacionais e outros que se exijam em cada situação concreta.
A capacitação dos agentes de voluntariado deve ser um processo contínuo que se inicia logo no recrutamento e na seleção dos candidatos, e que não termina aí. O “vinho novo deve ser colocado em odres novos e não em odres velhos” – quem quiser que entenda! Logo à partida, quem provavelmente poderá vir a ser selecionado para a atividade de voluntariado, tem que logo aí, revelar aspetos básicos do perfil adequado à atividade e às funções, e só os que isso evidenciarem, deverão então continuar em direção às fases seguintes de processo, onde se inclui a frequência de ações de formação inicial.
Também e muito, ao nível da coordenação, da direção técnica e mesmo institucional, o voluntariado, os voluntários e a população alvo, requerem, ou melhor…. exigem, as melhores, as mais sérias, as mais capazes e as mais responsáveis, posturas, procedimentos, comportamentos e medidas, que evidenciem verdadeiramente que o voluntariado é contributo inestimável na promoção do desenvolvimento pessoal, social e comunitário. E que também é fomento à participação direta, ao pensamento crítico e ao interesse ativo dos cidadãos motivados para ações de desenvolvimento, trabalhando na sensibilização para os benefícios decorrentes da cooperação, não apenas para os beneficiários diretos mas para todos os cidadãos, e promovendo sentimento comum de responsabilidade, de solidariedade e de oportunidade num mundo em mutação e cada vez mais interdependente e competitivo.
O valor social do voluntariado está no facto de ele ser “expressão do exercício livre de uma cidadania ativa e solidária” em contexto de cooperação, de democracia e de pluralidade, confirmando que aquele é “o conjunto de ações de interesse social e comunitário, realizadas de forma desinteressada por pessoas, no âmbito de projetos, programas e outras formas de intervenção ao serviço dos indivíduos, das famílias e da comunidade desenvolvidos sem fins lucrativos (…)” e que no campo da saúde se pode traduzir na realização de “tarefas de comunicação, de acolhimento, de companhia, de encaminhamento e de oferta de refeições ligeiras ou pequenos serviços aos utentes e seus familiares, em Equipamentos onde se prestam cuidados de saúde. Também na visita a pessoas que temporariamente ou em situação mais prolongada, se encontram nos Serviços dos referidos Equipamentos, cujo acesso se encontre autorizado, bem como a ajuda na realização de pequenas tarefas da vida diária, no acompanhamento a consultas e a serviços públicos, na realização de algumas compras e similares, promovendo assim a facilitação do acesso aos serviços destinados aos cidadãos, e contribuindo para o bem-estar geral e a inclusão social das pessoas beneficiárias da ajuda voluntária, nos domicílios dos utentes dos Equipamentos e fora daqueles, em situação de pós-alta ou não”.
Em Portugal, e ao mais alto nível, o voluntariado está assumido de tal forma que implica a existência de legislação própria que o enquadra juridicamente e que define os conceitos básicos bem como os princípios da “solidariedade, da participação, da cooperação, da complementaridade, da gratuitidade, da responsabilidade e da convergência” que lhes são subjacentes.
A prática do voluntariado é um modo possível para a vivência ativa da cidadania. No campo da saúde, aquela tem papel insubstituível na humanização das pessoas e dos Equipamentos, complementarmente à prestação de serviços e cuidados por estes. Só de forma organizada, estruturada e capacitada, se atingem os objetivos do voluntariado, com eficiência, eficácia e satisfação das partes envolvidas.
Que queremos certificar em ações de Formação inicial? Apenas a participação nas ações ou competências adquiridas? Será opção correta, ficar-se apenas pela participação? Provavelmente. Senão vejamos:
“No que à aprendizagem e ao desenvolvimento de competências diz respeito, as práticas de voluntariado oferecem potencialmente à pessoa várias formas de refletir e sistematizar as experiências. A experiência é tida como “(...) um elemento-chave no processo de aprendizagem, constituindo a base para a reflexão, problematização e formação de conceitos” (Pires, 2007).
Importa, portanto, promover a “produção de conhecimentos e aprendizagens significativas que possibilitem a cada um apropriar-se dos sentidos das experiências, compreendê-las teoricamente e orientá-las em direção ao futuro com uma perspetiva transformadora” (adaptado de Oscar Jara).
Quando estivermos aí, sim. Falemos de certificação de aprendizagens ou de competências adquiridas. O reconhecimento das aprendizagens é um valor de dignidade e de cidadania. Valoriza as pessoas, as organizações e o voluntariado, pela coesão social que promove, trazendo relevância social a outras aprendizagens, competências, percursos e modos de vida e de trabalho.
Porto, 19 de junho de 2016
João António Pereira, presidente da Direção da Federação Nacional de Voluntariado em Saúde


[i] http://verdadeiroolhar.pt/2016/06/16/valongo-16-voluntarios-certificados/

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